Santa bagunça
Ron Alford no apartamento de um cliente em Manhattan. Todas as fotos por Clement Holder

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Santa bagunça

Ron é o diretor da Disaster Masters, uma empresa de gerenciamento de crise especializada em tratar um grupo que ele apelidou de "descartofóbico" -a quem comumente chamamos de acumulador.

Às 8 da manhã de uma terça-feira ensolarada eu já estava a caminho do local da ocorrência. A chamada havia sido feita mais ou menos uma hora antes. “Espero que você esteja em boa forma física”, Ron Alford me preveniu ao telefone. Ron é o diretor da Disaster Masters, uma empresa de gerenciamento de crise especializada em tratar um grupo que ele apelidou de “descartofóbico”—a quem comumente chamamos de acumulador. Assim como um policial ou um instrutor de academia, a voz de Ron é perfeita para comandos.

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Eu disse que estava em forma. “Ótimo”, ele disse. “Vista-se para o trabalho e corra para cá.”

O endereço que ele me deu era de um edifício bacana no Upper East Side de Manhattan, que tinha um lobby decorado em tons pastéis e um porteiro uniformizado. Dentro da minha mochila tinham duas garrafas de água e uma barra de cereais (aveia e uva passa), e eu estava vestindo uma jaqueta velha, uma calça jeans estilo cargo e sapatos pesados. Tinha um caminhão cinza, sem identificação, estacionado em frente ao prédio, e quando bati na porta do motorista ela abriu num tranco. Ron estava posicionado no assento do motorista e uma moça loira, bonita, estava sentada ao seu lado. Ele beirava os 70 anos, e tinha aquele aspecto de quem está cansado do mundo, típico de militares veteranos—ele chegou mesmo a servir na Guarda Costeira norte-americana por seis anos. A mulher se apresentou como Melissa.

Ron me puxou para dentro do caminhão e fechou a porta, me deixando espremida entre a direção e a porta. Foi ali que recebi as informações sobre o seu cliente, um homem de uns 50 anos, de iniciais CM, que morava no décimo andar do prédio. Ele morou a vida inteira com sua mãe em um apartamento de um cômodo. Ela tinha uns 80 anos e recentemente havia sofrido uma queda e ferido a cabeça. CM chamou a polícia, mas entrou em pânico quando os policiais chegaram e não os deixou entrar no apartamento. Os policiais arrombaram a porta, levaram sua mãe embora numa maca e o estado deplorável do apartamento foi mencionado no boletim de ocorrência. A senhora foi colocada em um asilo e um advogado ficou encarregado de fazer o inventário de seus bens. Depois de uma limpeza, a cargo da Disaster Masters, o apartamento seria colocado `a venda e CM mudaria para outro lugar. A mãe do cliente não voltaria a ver seu apartamento.

Isso, Ron me explicou, é um serviço típico, apesar de dois trabalhos com acumuladores nunca serem exatamente iguais. Com exceção do cliente. O cliente, disse ele, sempre tentará te manipular, e ainda acrescentou que o programa de TV do canal A&E que trata desse tema é pura bobagem. “Psicólogos e assistentes sociais nunca foram capazes de curar fumantes, alcoólatras, viciados em jogo ou em sexo, mas ainda assim a mídia mostra esses sujeitos com seus clientes como se estivessem prestando algum serviço valioso.” Como qualquer viciado, um cliente não pode receber ajuda até que peça por ajuda física e orientação, me disse o Ron. Mas não terapia: “Orientação é para o amanhã. A terapia só lida com o ontem”. Uma equipe formada por quatro homens ocupava a parte de trás do caminhão, uma caçamba de entulho alugada. Ron os chama de cavaleiros, eles são sua força. Um deles, um homem chamado Hércules, corre oito quilômetros e faz quinhentos abdominais por dia. A Melissa me disse que pensa nos cavaleiros como se fossem funcionários de uma casa de repouso. “Eles não julgam, não falam, não roubam”, diz. “São meninos de ouro.” Enquanto esperávamos o sinal para subir, Ron distribui luvas verdes de látex e máscaras. Melissa me avisou que o apartamento estava muito sujo e repleto de material pornográfico. Ela me perguntou se eu preferia subir antes dos outros para eu ter tempo de me acostumar e caso, esclareceu, eu precise vomitar. Eu disse que não e que provavelmente ficaria bem. Quando o porteiro do prédio fez sinal para Ron e abriu a porta de serviço, descemos do caminhão e nos juntamos perto da porta para uma segunda rodada de orientações. “Começamos devagar e terminamos rápido”, disse Ron, e me passou um caderno vermelho. Entramos no elevador, onde Ron fez uma piada com os Mets e tirou uma onda do jornal que o ascensorista estava folheando. O clima de antecipação era estranho, quase como a véspera de Natal. “Pronta, campeã?”, Ron perguntou. Eu fiz que sim com a cabeça, e a porta se abriu lentamente.

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