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No Brasil, Roupas e Atitudes Justificam o Estupro de Adolescentes e Crianças

Foi o que concluímos após ler as duas pesquisas divulgadas pelo IPEA, que tratam da violência contra a mulher.

Imagem publicada originalmente nesta matéria

Hoje, nós nos deparamos com dois estudos do IPEA divulgados pela internet que analisam a violência contra a mulher e o crime de estupro no Brasil. Cruzando as informações retiradas dos dois estudos, chegamos a uma horrorosa interrogação: é verdade que existe gente que acha que uma roupa ou atitude de uma criança ou adolescente são justificativas para um estupro?

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As duas pesquisas realizadas têm metodologias diferentes. A primeira, Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres, é uma pesquisa de opinião realizada em 3.809 domicílios, em 212 municípios; a outra, Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, levanta dados estatísticos de diversos órgãos sobre as características do crime no país. Embora ambas revelem dados preciosos, elas somente reconfirmam um importante e triste senso-comum: o Brasil é um país machista e tolerante com crimes sexuais contra menores de idade.

Em uma das pesquisas, a maioria dos entrevistados acredita que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”, a outra diagnostica que grande parte das vítimas de violência sexual (para sermos mais exatas, 70,1%) são crianças e adolescentes.

Outro senso-comum: o estupro é um crime da calada da noite, de ruas desertas e perpetrado por desconhecidos. O argumento é bastante usado para justificar a forma como as mulheres devem se comportar. “Não anda sozinha na rua”, vão dizer a você.  Claro que casos “da rua escura” também acontecem, mas agora, além de chamar de imbecil quem usa esse papinho, temos também um belo dado para esfregar na face do agente do patriarcado: 32% dos agressores são amigos ou conhecidos da vítima, e a tendência é que, quanto mais idade a vítima tiver, maiores são as chances de o agressor ser do mesmo meio social que ela.

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Embora a esmagadora maioria dos entrevistados ache que “homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia” e que “quando há violência, os casais devem se separar”, para nós ficou meio óbvio que eles também concordam que a violência nada tem a ver com a violência sexual contra a mulher.

Para exemplificar, nada melhor do que pegar nosso senil Código Penal, que até 2009 ainda considerava o estupro como um crime contra os costumes. Não é difícil encontrar lições de doutrinadores da época, que diziam que o crime sexual contra a mulher é o equivalente a ferir a reputação do pai ou do marido da mesma. Basicamente, foram necessários 74 anos (o Código é de 1940), uma Guerra Mundial, 20 presidentes e uma ditadura militar para que o Brasil começasse a entender que a porra da xoxota é sua e não do Estado ou da sua família. E, pela pesquisa, concluimos que ainda não sacou isso direito, não.

Destacamos também alguns tópicos de interesse civil:

Bem, relembrando: a pesquisa afirma que grande parte da população ainda acha que as “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. É para concluirmos que, além de termos de agir da maneira menos provocativa possível, também somos obrigadas a tomar muito cuidado com o que vestimos, para não pedirmos para sermos estupradas? Não importa se temos 12 anos ou 34 anos (lembrando que a chance é maior se você tiver 12). Veja bem, aparentemente, o homem tem uma libido incontrolável para fins de procriação. É ciência pura, amiga.

E se você ainda é aquele cara que insiste em afirmar na roda de discussão que o feminismo é irrelevante, acha que toda feminista é uma sapatão mal-comida e diz que as mulheres são tão livres quanto os homens, talvez você ainda não tenha considerado que o Brasil pode ser uma grande Marcha da Família com Deus.

Siga a Débora Lopes e a Marie Declercq no Twitter: @deboralopes e @marieisbored