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o futuro segundo a vice

O Futuro das Drogas

Como será o mundo das drogas em 2025?
Max Daly
London, GB

Ilustração por Tom Scotcher.

Quando falamos sobre o futuro das drogas, temos três certezas que não podem ser ignoradas:

Certeza #1: Até que o planeta exploda, derreta ou inunde, há humanos que vão querer se intoxicar.

Certeza #2: Gente que fornece esses intoxicantes, particularmente os ilegais, vai fazer uma boa grana.

Certeza #3: Seremos surpreendidos por um novo fenômeno em drogas, vindo do nada, que todo mundo vai fingir que sabia que ia acontecer.

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Em 2003, um grupo de 50 cientistas e professores importantes se juntou na usina de ideias Foresight do governo do Reino Unido, tentando focar seus cérebros para responder uma pergunta: como será o mundo das drogas em 2025?

A resposta foi revelada dois anos depois numa série de 21 documentos. A enorme bola de cristal dos cientistas revelou uma Inglaterra de 2025 cheia de drogas inteligentes – drogas para ajudar a aprender, pensar, relaxar, dormir ou simplesmente esquecer, um pouco como aquela droga bizarra que não dava ressaca, a Soma, do livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. Até agora essa previsão não parece tão errada; já existe um grande mercado não exatamente legal de drogas que melhoram a performance, a imagem, o humor – um mercado que cresce rapidamente.

Mas o mais interessante sobre o projeto Foresight não é o que eles acertaram, mas o que eles erraram. Eles nem imaginavam o maior fenômeno que atingiu o mundo das drogas desde o ecstasy: a explosão, meros quatro anos depois do relatório ser publicado, de novas substâncias psicoativas vendidas pela porta dos fundos de um mercado online de drogas, que ainda estava só começando. Isso abriu a porta para centenas de substâncias não testadas e, crucialmente, revolucionou a maneira como drogas ilegais são compradas e vendidas.

Mas o futuro não será uma procissão interminável de baratos legalizados. Um punhado de novas substâncias psicoativas (ou NSP) sempre estará por aí - e, até certo ponto, sempre esteve, mas, já tiveram seus dias de glória. Num espetáculo à parte interessante, elas serviram um propósito. Sim, a mefedrona chegou para ficar e talvez o 2C-B também, mas agora que os mercados ingleses de cocaína e ecstasy estão se endireitando, com a pureza das duas drogas subindo consideravelmente, as drogas old school estão de volta. Clones estimulantes ainda vão ter seu apelo para os falidos, quem não consegue comprar drogas decentes ou quem não querem ser pego em testes de urina, mas a repressão iminente aos vendedores principais vai minguar o abastecimento para adolescentes e sem-teto – os maiores compradores de produtos NSP.

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Mas o mercado online vai abrindo caminho para a próxima década, a polícia do mundo querendo ou não.

Falei com Mike Power, autor de Drugs 2.0: The Web Revolution That's Changing How the World Gets High ("Drogas 2.0: A Revolução na Internet Que Está Mudando Como O Mundo Chapa"), sobre como o comércio online de drogas pode avançar nas próximas décadas. "No momento, o mercado online de drogas é para uma minoria, uma maneira de comprar drogas de alta qualidade", ele me disse. "No momento isso está passando dos pioneiros para o mainstream. Isso vai crescer, se tornar mais fácil de usar e se espalhar. Vamos ter mais sites e mais pessoas os usando, porque esse é o modelo perfeito de negócio: anonimato, baseado em comissão, revisado por pares, com tráfico postal. O tráfico online não vai substituir os cartéis, isso nunca vai chegar a esse nível, mas, pra quem tem um quilo de ecstasy, esse é o melhor caminho."

Além disso, prevê Power, essa é uma zona de comércio que vai continuar altamente resistente a qualquer tentativa de destruí-la. Em novembro, polícias do mundo – incluindo o FBI, a Europol e a Agência Nacional do Crime britânica – fecharam o maior mercado online de drogas, o Silk Road 2.0, em meio a muita publicidade durante a Operação Onymous. Mas, algumas semanas depois, o mercado negro já estava de volta a todo vapor.

No "Cyber Monday", os sites estavam oferecendo 50% de desconto no LSD, uma promoção de "pague três, leve quatro" em cogumelos e pacotes de maconha a US$ 200. "Observar o mercado online de drogas em dezembro, nos cinco ou seis sites que entraram no vácuo do Silk Road 2.0, foi como ver a Oxford Street na véspera de Natal", disse Power.

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Por trás do hype do FBI e do suposto fechamento impressionante de 427 sites, as coisas não foram tão bem assim para as agências da lei que estavam tentando fechar esse mercado. "A Onymous pareceu um grande abalo", explicou Powers. "Mas o que a operação fez, na verdade, foi tornar mais fácil e seguro comprar drogas online, porque a maioria dos sites fechados eram sites clones feitos por criminosos para arrancar Bitcoins de usuários. O Tor, o sistema de criptografia PGP e o Bitcoin – a trindade sombria da internet – continuam inabaláveis."

Além da santíssima trindade, as possibilidades de comprar drogas online sem chamar a atenção da polícia cibernética do futuro são infinitas. Jonny Y, um comprador online experiente, ex-psiconauta e às vezes vendedor, me disse que a internet tem hoje um bom número de comunidades de comércio de drogas bastante unidas, que se afastam do mercado negro e querem se aproximar da internet limpa. Financiados por assinaturas mensais em vez de comissões por transações em Bitcoins, elas estão ajudando a criar uma camuflagem para os compradores online de drogas.

Mas apesar de toda a astúcia criptonerd, o comércio de drogas pela internet ainda representa apenas uma pequena fração do comércio global. Exceto no caso da volta da poliomelite ou de um toque de recolher ao estilo de um regime totalitário, a maioria das pessoas ainda prefere sair e comprar suas drogas de familiares, amigos, amigos de amigos, conhecidos junkies e do cara anotado na sua agenda do celular como "Johnny Coca 1" em pubs, clubes, faculdades, festas particulares, esquinas, bocas de fumo, Audis ou de outros pais e mães na saída da escola do filho.

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No futuro, se levarmos em conta a cena gay pioneira em uso de drogas, isso provavelmente será facilitado pelos aplicativos de celular. A comunidade ChemSex, de Londres, arranja drogas usando aplicativos como o Grindr, que acaba oferecendo inadvertidamente rapidinhas com drogas com base na localização da pessoa. David Stuart comanda um clube de drogas e serviço de apoio ChemSex pioneiro de Londres. Perguntei se ele achava que esse tipo de consumo de drogas poderia chegar ao mainstream.

"Mais da metade dos meus clientes não usam um traficante: eles apenas espalham a notícia num desses aplicativos de sexo; depois, escolhem", disse Stuart. "Aquelas filas descaradas para comprar drogas nos banheiros dos clubes viraram compartilhamento descarado online. Se a comunidade não gay vai seguir o exemplo… acho que sim. O Tinder está aí, ficando mais popular a cada mês."

Um dos nomes de perfil e subtítulos mais comuns no Grindr se tornou "GMTV", o que quer dizer que a pessoa está usando, compartilhando ou vendendo G (GBL), M (mefedrona), T (Tina, ou metanfetamina) ou V (Viagra). Usando gírias coloquiais para drogas e campos de busca específicos de certos sites, você pode caçar a droga que quiser ou as pessoas que indiquem eletronicamente alguém que te arranje isso.

"Se você quer comprar, compartilhar suas drogas ou trepar com algum feioso que compartilhe as drogas dele com você, esse é o jeito moderno de arranjar drogas", garante Stuart. "Sem nenhum cachorro farejador ou ônibus de troca de agulhas à vista."

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A necessidade de ser sutil não vai importar se as drogas forem regulamentadas. Nos próximos anos, mais Estados norte-americanos – provavelmente incluindo a Califórnia em 2016 – vão legalizar a cannabis. Como as políticas são votadas pelo povo e as empresas subiram no barco, mesmo um presidente republicano vai achar difícil reverter ou parar a onda.

Em dez anos, mais da metade dos norte-americanos provavelmente estarão morando num Estado onde é legal comprar maconha, uma situação irônica para o país que deu início à Guerra às Drogas em escala global. Marcas como Marley Natural e Humbolt Haze poderão ser seguidas por Red Cloud, Crazy Horse e Apache Gold, já que nativos norte-americanos estão começando a produzir e vender sua própria erva.

Mas é difícil adivinhar qual o impacto que a revolução norte-americana da ganja vai ter no resto do mundo; então, falei com Martin Jelsma, cientista político e especialista em políticas internacionais de drogas para o Transnational Institute, em Amsterdam.

"Estou convencido de que a tendência da regulamentação da cannabis vai continuar e acelerar na próxima década, já que isso deve mostrar na prática que um mercado regulamentado pode ser introduzido de maneira responsável.

"Em alguns anos, especialmente quando a Califórnia der esse passo em 2016, é bem provável que vários países americanos sigam o exemplo: Jamaica, Equador, Guatemala, México, Colômbia e, sim, mesmo o Canadá depois das eleições." Jelsma me disse que a legislação britânica e da União Europeia provavelmente vai inibir a legalização na Europa, onde o apoio público na questão é irregular. Ele disse que essa pressão por mudança está começando a vir de baixo. "Várias iniciativas locais estão sendo preparadas: 50 prefeitos na Holanda estão pedindo suprimentos regulamentados para as coffee shops; em Frankfurt, Berlim, Genebra e Copenhague, propostas de regulamentação estão na mesa; o País Basco e a Catalunha, na Espanha, estão indo nessa direção." Ele diz que essas mudanças podem ter um efeito dominó em países da África e Ásia, com Marrocos, Camboja ou Índia (que defendeu que a cannabis continuasse legal nos anos 50) sendo os candidatos mais prováveis na legalização da maconha.

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Apesar de tudo isso, e com altas chances dos países concordarem em discordar na Assembleia Geral da ONU sobre o problema global das drogas em 2016, estamos rumando para um mundo cada vez mais polarizado em termos de políticas sobre drogas. Enquanto figurões de Hollywood tomam spirulina e lassis de maconha em Melrose, azarados no Irã e na Arábia Saudita vão acabar enforcados por serem pegos com um beck.

Dependendo do lugar da Terra onde você estiver, as consequências de usar drogas serão cada vez mais contrastantes. Com a legalização da maconha nos EUA, o cetro da Polícia do Mundo Contra as Drogas deve parar nas mãos da Rússia ou da China, países onde os usuários, viciados e traficantes são tratados com uma severidade quase medieval pelas autoridades. Mas como o especialista em máfia Federico Varese, criminologista da Universidade Oxford, aponta, as autoridades chinesas provavelmente estarão mais ocupadas com as tríades, por ser um país de trânsito numa zona de alto consumo de heroína e metanfetamina. "Apesar de a China ser implacável em termos de segurança e repressão aos traficantes, o país também é corrupto, então vai ser difícil parar a ascensão das gangues chinesas", diz Varese. "Já existem alianças entre essas gangues em Macau, Hong Kong e na China através do jogo, o que facilita transportar drogas e lavar o dinheiro."

Varese também aponta que para o crime organizado, que tem laços com o tráfico de drogas no mundo todo, o comércio online de drogas e a legalização da cannabis nos EUA são meras irritações, facilmente compensadas pela mudança do foco da segurança global para o terrorismo.

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Em Blighty, os drogados do Reino Unido vão continuar a ser os líderes da chapação global. Seja lá quem vencer as eleições gerais deste ano, é improvável que aconteçam mudanças nas leis sobre as drogas na próxima década. Propostas radicais nesse campo não vencem eleições nem beneficiam carreiras políticas. A maioria dos parlamentares tem muito medo da imprensa de direita para arriscar a carreira defendendo qualquer coisa que pareça remotamente radical.

Pode haver uma pequena esperança quando o The Sun defende reformas num editorial, como fez em outubro, mas será que veremos o fim do controle da mídia na evolução das nossas políticas de drogas? Fiz essa pergunta a Rich Peppiatt, ativista midiático que virou as mesas de alguns dos editores mais pentelhos da Fleet Street em seu filme One Rogue Reporter. "Tenho um sonho em que Paul Drace desenvolve uma artrite terrível e só encontra alívio num baseado", ele brinca. "Ele começa uma guinada abrupta na descriminalização da maconha e estampa a primeira página do Daily Mail com uma folha de maconha. Aí eu acordo.

"Mas a leitura de jornais vem caindo; então, o poder da mídia de direita sobre as políticas deve diminuir. O encanto vai se quebrar, então será mais provável que políticos defendam um debate racional. Eu adoraria ver o dia em que um parlamentar vai se levantar e dizer: 'Fumo maconha – na verdade, fumo toda noite'. Eu votaria nesse cara. Um parlamentar maconheiro seria ótimo, mas talvez vinte anos ainda sejam pouco tempo."

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A Inglaterra enfrenta outros cinco anos de austeridade e seus efeitos vão ser sentidos pelos próximos 15, segundo o Institute for Fiscal Studies. Quanto mais pessoas caem na pobreza, exclusão social e no trauma que cerca tudo isso, mais provável é que seu uso de drogas se torne problemático. Enquanto isso, autoridades locais estão cortando cada serviço público que poderia ajudá-las.

Perguntei a Kevin Flemen, que vem prestando consultoria a serviços de drogas há dez anos, qual sua visão do futuro para os usuários de drogas mais vulneráveis do Reino Unido. E isso não parece nada bom.

"Enquanto mais e mais gente é cortada do sistema de bem-estar social e empurrada para moradias cada vez mais instáveis, elas vão sendo afastadas da sociedade mainstream. Elas vão desaparecendo do tecido social desgastado – dormindo em florestas, embaixo de pontes, fora das áreas urbanas e longe das principais fontes de ajuda. A austeridade vai ter um impacto na capacidade das agências para responder à população despossuída. E, se tivermos um surto no problema dos usuários de drogas, estaremos mal equipados para lidar com isso."

Como a polícia já admitiu, a austeridade vai ter um efeito oposto na guerra que ela precisa travar contra as drogas, já que não vamos poder pagar por ela. Na próxima década, o cultivo de cannabis passará desapercebido porque helicópteros com imagem termal ficarão no chão. Traficantes de rua não serão mais prioridade porque há muita hora extra envolvida. Para o horror de gente como Peter Hitchens, os cortes podem levar a uma "despenalização" de ofensas relacionadas a drogas, o que fica perigosamente longe da descriminalização. Continuar com a vigilância necessária para pegar os caras que manipulam o jogo vai ficar caro demais para muitas forças policiais, então enquanto peixes pequenos têm mais chances de serem pegos, figurões vão ficar em paz para imaginar como lavar esse dinheiro todo.

O que não quer dizer que os monopólios de drogas vão ficar felizes com isso, porque estão gradualmente sendo substituídos pelo que Dick Hobbs, criminologista e autor de Lush Life, chama de "prática comunitária" – "uma zona de comércio onde qualquer um pode entrar… uma completa democratização do crime envolvendo drogas.

"Basicamente, o velho submundo baseado nos bairros de classe trabalhadora está sumindo, e o novo mercado está aberto para qualquer um", diz Hobbs, que pesquisa o tráfico de drogas em Londres há 30 anos.

"Você não precisa ter origem numa 'família', dez anos de trabalho fiel e passagem por várias prisões ou de qualquer habilidade especial [para vender drogas]. As pessoas mais improváveis em termos de classe, gênero e origem podem se envolver agora. Quatro amigos tomando uma cerveja no bar podem colocar a mão no bolso e juntar uma grana. Um deles voa para Amsterdam e volta às 9 da noite com um punhado de pílulas. Da próxima vez, eles alugam uma van. Eles se tornam traficantes internacionais da noite para o dia. Esse é o futuro do crime organizado."

Uma última previsão. Mesmo que isso acabe com as minhas chances de aparecer no Gadget Show, no Doctor Who ou no que for, vou arriscar dizer que os chamados "chemputers" – que vão imprimir drogas 3D – e baratos eletrônicos – que supostamente deixam as pessoas em frangalhos via iTunes – são conversa fiada e que, mesmo em 2025, essas coisas vão ser regularmente usadas por menos gente do que pessoas que já estiveram na lua. E se este parágrafo voltar para me assombrar, vou estar escondido em algum mercado negro por aí.

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Tradução: Marina Schnoor