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Drogas

Como a maconha venceu as eleições nos EUA

Na mesma noite em que Trump foi eleito, quatro novos estados norte-americanos legalizaram o uso da erva.

Um beck é passado de um amigo para outro na quarta-feira, 9 de novembro de 2016, em São Francisco. (AP Photo/Marcio Jose Sanchez.)

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Na noite da última terça-feira (8), mesmo enquanto os democratas recuavam horrorizados com a eleição de Donald Trump, eleitores de vários estados dos EUA rejeitaram em alto e bom som a proibição da maconha. Califórnia, Massachusetts, Nevada e Maine aprovaram referendos legalizando o uso recreativo da erva. E Flórida, Dakota do Norte, Arkansas e Montana aprovaram leis de uso medicinal da maconha. Vinte e oito estados americanos agora devem permitir o uso medicinal da erva, e 75 milhões de pessoas logo estarão vivendo em estados onde o uso recreativo é permitido — quase um quarto da população dos EUA.

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Mas apesar de o presidente Obama ter dito recentemente a Bill Maher que a tendência de legalização pode significar que as ofensivas federais contra a erva não serão mais "sustentáveis", a ascensão de Trump torna o progresso incerto. Claro, as iniciativas nas urnas são uma ótima notícia para os reformadores das políticas das drogas em nível estadual, que sofreram apenas uma perda significativa, no Arizona. Mas a visão nacional é turva enquanto Trump — não necessariamente um guerreiro tradicional contra as drogas, mas um tipo de homem bem "lei e ordem" — chega à Casa Branca.

Trump disse durante sua campanha que não vê problemas no uso medicinal da maconha e que vai deixar a decisão do uso recreativo para cada um dos estados norte-americanos. Ainda assim, claro, o homem já fez declarações contraditórias sobre o assunto, tanto apoiando a legalização quando dizendo que a abordagem do Colorado é "ruim" e que o estado está "tendo muitos problemas" por causa da maconha legalizada.

Para deixar a questão um pouco mais alarmante, alguns dos conselheiros mais próximos de Trump como Rudy Giuliani e Chris Christie — os dois supostamente na corrida para ocupar o posto de promotor geral — têm longoshistóricos de favorecimento a guerra às drogas. Isso sugere que Trump pode reverter a abordagem despreocupada das agências federais. Se isso acontecer, a perspectiva para os negócios de maconha recreativa estaduais — e para uma legalização nacional — será sombria.

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Ainda assim, mesmo diante da incerteza com os novos rumos da presidência com Trump, baseado na história da guerra às drogas nos EUA e nos efeitos das mudanças legais recentes, alguns desenvolvimentos parecem certos.

Primeiro, a legalização do uso recreativo dificilmente vai resultar num desastre ou aumento dos danos relacionados ao consumo da maconha. Nenhum desses efeitos foi convincentemente demonstrado no Colorado, Washington, Oregon, DC ou Alasca, onde a erva já é permitida. No Colorado, por exemplo, o uso da droga por jovens se manteve consistente com o nível nacional de uso desde a legalização. O principal oficial de saúde do estado disse ao Boston Globe que nenhum grande problema decorrente da legalização emergiu até agora. Esse parece ser o consenso (inicial) entre a maioria dos outrosestados, mesmo com algumas tendências relativamente alarmantes, como o aumento de pessoas acusadas de dirigirem drogadas e (alguns) casos de envenenamento (mas nenhuma morte).

Na verdade, nos EUA como um todo, apesar do aumento da acessibilidade à maconha medicinal e recreativa, e aumento da taxa de uso entre adultos, transtornos no uso de cannabis não parecem estar fora do controle. Apesar dos dados mais recentes serem de 2014, apenas um ano depois que as primeiras leis de uso recreativo entraram em vigor, um estudo conduzido pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas descobriu que as taxas de vício em maconha estão estabilizadas, não aumentando.

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No geral, nenhum estado ou país que liberou a maconha na forma de discriminação ou legalização experimentou nada parecido com os cenários de pesadelo previstos pelos proibicionistas. Tipo um grande aumento no uso da cannabis por adolescentes e vício (incluindo em drogas mais pesadas por meio do efeito "porta de entrada"), declínio em produtividade e inteligência, aumento de doenças mentais e acidentes de carro fatais. Tanto a Holanda, que "tolera" as vendas ilegais de maconha em cafés regulados, quanto Portugal, que descriminalizou a posse de todas as drogas — mas não legalizou a venda de nenhuma delas — geralmente relatam resultados positivos das políticas em vigor há anos.

Apesar de alguns médicos temerem efeitos escondidos prejudiciais da maconha emergindo sob a legalização, o governo norte-americano já gastou milhões de dólares em décadas de pesquisas procurando por eles — todos sem resultados até aqui. Pode haver danos escondidos por fumar THC concentrado, mas é impossível ter uma overdose fumando maconha normal, e mesmo o consumo pesado não é geralmente associado a câncer de pulmão e as taxas de uso de maconha não estão associadas com as taxas de esquizofrenia, por exemplo.

Na verdade, cada vez mais dados mostram que a maconha está ligada à redução nas taxas de mortes por overdose de opiáceos e redução na taxa de uso de opiáceos para combater a dor — o que pode ser um benefício crítico do aumento do acesso à maconha medicinal e recreativa. Mesmo se algumas pessoas trocarem os opiáceos por maconha ou reduzirem o consumo dessas substâncias as substituindo por maconha, vidas podem ser salvas e o vício evitado ou tornado menos perigoso.

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Se Hillary Clinton tivesse vencido as eleições como as pesquisas sugeriam, o fim de jogo para a proibição da maconha estaria a caminho. Seus eleitores aparentemente eram muito favoráveis à legalização, e continuar gastando bilhões de dólares por ano encarcerando pessoas em alguns estados pelo que elas podem fazer legalmente em outros não é exatamente um uso responsável do dinheiro dos contribuintes. Apenas reverter a proibição da maconha significa eliminar 28% dos gastos estaduais e federais na ofensiva contra as drogas — aproximadamente $14 bilhões anualmente. E fazer isso colocaria pressão em todo o aparato da guerra às drogas, já que é difícil entender por que é tão importante prender pessoas por posse de algumas drogas e não de outras.

O que Trump fará diante de seus pedidos repetidos por "lei e ordem" e derrubar o crime é difícil prever. Mas se o homem quer ser reeleito em 2020, ele pode não fazer da ofensiva à maconha uma prioridade. Na maioria dos estados norte-americanos onde a liberação da maconha medicinal e recreativa foi às urnas — incluindo Califórnia (56%), Flórida (71%), Massachusetts (54%), Nevada (54%) e Maine (50%) — as iniciativas tiveram uma porcentagem de votos significativamente maior que a ele.

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Tradução: Marina Schnoor

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