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Fotos

'É Preciso Ver Tudo o que Já foi Feito e Depois Fazer algo Diferente'

Em três décadas a sexualidade saiu da privacidade do quarto e de arquivos pessoais secretos para ser vivida em público, e muito disso se deve ao fotógrafo e cineasta Richard Kern.

Foto por Carlos Álvarez Montero. 

O fotógrafo e cineasta Richard Kern fez carreira clicando meninas nuas ao redor do mundo nos últimos 30 anos. Seu trabalho pode ser visto hoje tanto no museu de Museu de Arte Moderna de Nova York, o Moma, quanto em algumas revistas de soft porn. As jovens retratadas por Kern não apenas viram o mundo mudar, mas foram parte central dessa mudança. Em três décadas a sexualidade saiu da privacidade do quarto e de arquivos pessoais secretos para ser vivida em público, e muito disso se deve a Kern.

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VICE: Você colaborou tantas vezes com a VICE que é difícil pensar em algo que não saibamos.
Richard Kern: Não acho que alguém realmente saiba muita coisa de nada, especialmente no que diz respeito à VICE. Quando comecei a colaborar o site era novo, se chamava Viceland na época. Eu estava fotografando histórias comuns, retratos para a revista, até que um dia o editor me perguntou se eu não queria fazer um show itinerante de foto para a revista. “Nós pagaremos tudo”. Eu disse: “Claro!”. Isso me deu muita exposição, já que era vídeo e as meninas estavam nuas. Naquela época havia apenas um programa sobre skate que continua existindo, o Epicly Later'd, e o meu Shot by Kern.

Você acha que a partir disso inventou um novo subgênero de fotografia nudista?
Alguns dizem isso. Eu não sei.

Como você disse, estava fazendo esses vídeos para a VICE, o que gerou muita atenção de pessoas que não estavam familiarizadas com o seu trabalho. Anos mais tarde, muito do que vemos na fotografia nudista tem a ver com o seu trabalho.

É verdade, mas não sei se eu comecei isso. Meu trabalho já era popular na década de 80. Mais adiante, nos anos 90, publiquei um livro com a Taschen e isso atraiu outro tipo de atenção. Em seguida, nos 2000, quando eu fiz o programa com a VICE, surgiu outra coisa completamente diferente, uma nova geração interessada no meu trabalho. Creio que o truque para o sucesso com essas coisas é ser capaz de atravessar diferente gerações, sabe? Havia outros shows, mas eu não acho que havia nenhum outro com alguém que viajava fotografando meninas nuas. Playboy e Bravo TV tinham um, mas acho que o nosso foi o primeiro deste tipo.

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Veja mais de Richard Kern viajando pelo mundo enquanto fotografava as meninas aqui.

Isso é o que eu quis dizer, talvez você tenha criado um gênero ou uma tendência.
Talvez, pode ser, mas há muitas pessoas que me influenciaram também.

Como quem?
Quando fazia coisas obscuras, no começo, era influenciado por vários fotógrafos tchecos e por fotografia rara fetichistas dos anos 60, gente como Irving Klaw, Russ Meyer e pessoas do mundo da arte, como Duane Michals e Lucas Samaras, que fazia esses autorretratos loucos em Polaroids quando mais ninguém fazia. As fotos de Helmut Newton também me influenciaram.

Eu posso ver algo disso em seu trabalho, mas, em seguida, você criou algo próprio, eu realmente não posso pensar em alguém que tenha um estilo semelhante ao seu, talvez Terry Richardson, mas ele veio depois de você, não é?
Sim, ele veio depois de mim, mas nem tanto. Ele tinha estilo próprio.

Exatamente, cada um em sua própria categoria. Pensando em jovens, garotas e garotos nus, você também pode pensar de Larry Clark, cujo trabalho também é muito particular.
Sim, Larry Clark foi uma grande influência - os primeiros livros, Tulsa eTeenage Lust, mas também pessoas como Ed Ruscha. Consigo pensar em muitas influências. Quer dizer, quando eu vi as coisas do Terry pela primeira vez e, na verdade, quando eu vi a VICE pela primeira vez, eu não estava fotografando para eles. Eu vi as primeiras capas e diziam mais do que qualquer outra revista. Eu pensei, "Oh, este é um novo estilo". E essas deviam ser coisas do Terry. Era um estilo interessante e completamente diferente, havia apenas snapshots, por isso decidi incluir algumas delas no meu trabalho, mas não da mesma forma que o Terry. Por exemplo, no meu caso, eu prefiro quando o flash não é notado.

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Veja a série completa em Peitos & Banzas.

Claro, a luz em suas fotos não é um item que chama a atenção, parece que é somente luz ambiente.
O que só acontece na metade dos casos [risos].

Sim, mas alguém nunca para pra pensar em como a foto foi iluminada. A atenção acaba indo direto para a cena.
Espero que seja verdade. De qualquer forma, sim, eu tentei algumas coisas que havia visto na VICE. Depois comecei a fotografar para a revista Index, que era muito popular com seu estilo de entrevistas de arte e moda em Nova York na década de 90. Eles me levavam aos festivais de cinema de Toronto e Sundance todo ano, onde você tem cinco minutos para fotografar alguém. Então eu corria e boom!, fotografava. Havia muitas celebridades e esse era o tipo de fotos que aIndex queria de mim. Eles diziam: "Não temos tempo para pensar no que são imagens, basta ir e fazê-las rapidamente." Isso afetou meu trabalho, não é uma fotografia montada artisticamente, é apenas um clique rápido. De qualquer forma, eu poderia falar para sempre sobre essa merda [risos].

Como foi a transição de seu trabalho dos anos 80 até hoje?
Bem, eu estive fazendo filmes underground, por quatro ou cinco anos. Na verdade, ainda faço, mas houve um período muito intenso, eram coisas transgressoras. Quando parei, comecei a fotografar. Tiro fotos desde que era criança. Fazia isso o tempo todo, mas depois comecei a tirar fotos de meninas peladas. Imediatamente pensei, "vou continuar fazendo isso porque é muito divertido". Era o início dos anos 90. Naquela época, as pessoas que tiravam fotos eróticas as guardavam para si mesmas ou vendiam em revistas de sexo, que era o único lugar onde poderiam ser publicadas. Não havia livros de arte cheios de meninas nuas, ninguém fazia isso. Fizeram na década de 70, mas desapareceram durante um período politicamente correto, até que a Taschen publicou um livro de Eric Kroll e, em seguida, um dos meus. Agora existem toneladas de coisas. A internet tornou isso algo mais fácil de ser feito. O que fez você começar a fotografar dessa forma? Desde os primórdios da fotografia sempre houve fotos de pessoas nuas, mas era mais sobre a estética, a forma ou a luz. Você começou a fazer algo diferente.
Eu comecei fazendo parecer algo surreal e fetichista, mas logo mudei. Tentei fazer as coisas parecerem mais reais. Naquela época, as pessoas que faziam este tipo de fotografia estavam reagindo ao velho estilo de arte, cada grupo reage contra outro grupo. No grupo de cinema onde eu estava, tentávamos fazer filmes que não eram chatos, porque o underground anterior, para nós, era incrivelmente chato, muito lento. Agora muitos dos meus filmes podem ser vistos como lentos, afinal tudo está acelerando. Mas foi uma reação e às vezes eu estou reagindo a meu próprio material, minhas fotos são agora uma reação. Metade do tempo eu acho que deve haver uma razão para que a menina esteja pelada e então tento fotografar todas as formas, porque existe muita fotografia nova, muitas imagens que são apenas de garotas bonitas e acho que é mais interessante ir pelo outro lado.

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Veja a série completa em A(s) Mina(s) do Kern da Semana.

O que você quer conseguir com estas fotos?
Bom, são retratos. Penso no que posso fotografar ou no que eu ainda não fotografei. O objetivo é tentar fazer algo que ninguém mais tenha feito. Como você disse, todo mundo está fazendo tudo. Sabe? É muito difícil tentar pensar em alguma coisa, mesmo que pequena. Eu fotografo muitas tendências diferentes, muitas pequenas séries, mas apenas algumas funcionam.

Por que você acha que só algumas funcionam?
Quero dizer: sim, funcionam, mas não me satisfazem. Não tem o suficiente para funcionar. Para que algo seja bem sucedido, deve realmente incomodar o espectador, não porque são pessoas nuas, mas por razões diferentes. Quero dizer, na minha idade já existe um fator de desconforto, porque eu tenho 59 anos e estou fotografando meninas de 20, mas me refiro a algo mais do que isso. [Risos]

Sobre o tema do desconforto, os tempos mudaram. Você começou fazendo filmes transgressores – os transgressions films –, mas hoje as pessoas não se chocam com o mesmo de 30 anos atrás. Seus filmes costumavam ser muito violentos e chocantes, mas hoje o seu trabalho é mais tranquilo, pode-se dizer. Como você choca as pessoas com seu trabalho hoje em dia?
Há dois ou três que tratam de histórias muito impactantes ainda, mas num sentido diferente, como eu estava dizendo. Um deles é chocante de início por conta do assunto e por que você vê uma pessoa estranha. Essa seria a única diferença, pois algo que é somente chocante realmente não funciona, ou até pode funcionar, mas as crianças de hoje crescem tendo tudo disponível. Meu filho, por exemplo, está crescendo e tem tudo ao seu alcance, desde o início. Quando eu estava crescendo, as coisas eram realmente chocantes. Mas como mudou! Eu não estou em busca apenas do impacto. Muitas vezes eu também me surpreendo porque há coisas que acho que são bastante convencionais, mas perturbam as pessoas. Estou falando de coisas muito específicas. Se você está vendo o meu trabalho em sua cabeça, todas essas fotos de garotas nuas, pode ser que o que eu disse não tenha feito sentido, mas não é a isso que estou me referindo.

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Entendo, ainda esta manhã, vi o seu filme Cutter.
É dessa obra que estava falando, é bastante forte.

CUTTER, de Richard Kern.

É, mas também é uma mistura de seu trabalho atual com o que você estava fazendo no início de sua carreira, certo?
Esse filme é uma boa transição entre meu trabalho anterior e o que eu faço agora. Você pode ver filmes antigos, como Sewing Circle e Pierce, e pode ver Cutter, que tem uns dez anos, e Medicated, e todos são um pouco semelhantes. Com “mesmo tema”, não me refiro exatamente ao mesmo conteúdo, mas ao mesmo tipo de estranhamento.

Então existe uma diferença entre a forma de fazer os filmes e a de fotografar?
O que pode diferenciar um fotógrafo ou um diretor de um artista "normal" é que o artista controla rigidamente tudo o que acontece - se ele faz algo para uma galeria, você não vai ver nada mais do que isso. Mas eu fotografo todos os tipos de coisas e tudo sai, eu não me importo muito. Então as pessoas podem ter todos os tipos de pontos de vista sobre o que eu faço. Isso acontece, em parte, porque eu preciso ganhar a vida. Se você vir alguns retratos comerciais que eu faço, eles são muito convencionais, pois as imagens que eu escolho serão vistas como meu trabalho e as fotos que eles escolhem serão vistas como outra coisa.

Você descreveria o seu trabalho recente como uma tipologia das mulheres ao redor do mundo?
Não. Acontece que, se eu for a algum lugar, gosto de pelo menos conseguir alguma coisa com isso. Mas o que eu descobri é que as pessoas são iguais onde quer que eu vá [risos]. Não há realmente nenhuma grande diferença, especialmente em uma certa idade, a partir da qual as pessoas têm as mesmas preocupações em todo o mundo.

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Além disso, as pessoas estão mais acostumados a ver fotos de nudez. Mas não apenas isso: elas também tiram essas fotos e colocam nas redes. Isso mudou a maneira como as pessoas interagem com a sua sexualidade e a dos outros.
Definitivamente, voltou a ser chato. [Risos]

Veja a série completa em Sasha Grey Contida por Richard Kern.

Sim, se tornou mais comum. Agora os adolescentes não têm de se esconder para ver revistas ou filmes pornográficos. Eles já estão acostumados a ver corpos nus, basta dar uma olhada no celular. Como você acha que o seu trabalho é percebido hoje?
Ah, eu não tenho ideia [risos]. Já faz tempo isso e muitas pessoas foram expostas ao meu trabalho, então eu não sei. O que eu posso dizer sobre como são vistas as fotos de nudez é que agora quase todas são para o Instagram. Aí, quando abre uma conta, você tem alguns seguidores e é tipo “curti, curti, curti”. As pessoas quase nem registram o que veem. Quando eu comecei, tinha um livro com 150 fotos, não havia outra forma, bem, também tinha revistas pornográficas …

Como você se sente sobre essas mudanças?
Fico feliz de não estar começando agora [risos]. Eu percebi que é preciso ser uma garota para tirar esses tipos de foto, como Sandy Kim, Petra Collins e Maggie Lee. O público está mais disposto a aceitar [este tipo de trabalho] se for feito por uma mulher que dirige outras meninas. É uma questão política. Essa é a diferença que vejo agora: algumas pessoas, como Petra, ganharam muita atenção muito rápido, têm provavelmente entre 20 e 21 anos, mas suas coisas estão na rede, não tem livros, apenas Internet. Também tem esse menino Pretty Puke, um garoto mexicano que está em Los Angeles e tira fotos loucas. Ele tem muitos seguidores, tentou fazer uma exposição em uma galeria, mas como não teve sucesso, disse: "Eu vou fazer a minha própria exposição no Instagram". Então ele anunciou em toda Los Angeles que ia expor e nesse dia publicou todas as suas fotos.

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Tem Instagram?
Sim, acabo de começar, faz uns meses, finalmente cedi. Eu queria ter feito [uma conta] há muito tempo, apesar de ser contra essas coisas, mas, como fotógrafo, eu acho que você realmente precisa disso.

Foto do Instagram de Richard Kern

Você produz conteúdo específico para o Instagram?
Estou tentando mantê-lo interessante e não apenas colocar fotos aleatórias. Existem todos os tipos de Instagrans: muitas categorias, artistas específicos, contas que as pessoas pensam com cuidado e pessoas que publicam qualquer coisa. Parece que tem o Instagram engraçado e o Instagram sério. Eu tento fazer um híbrido. Não sou o único fazendo isso, mas eu tento torná-lo divertido e de fato acho que a maioria das minhas coisas são divertidas. Até as fotos das meninas com pílulas são divertidas. Mas também tem as estranhas, porque são deprimentes. Pelo menos é o que eles me disseram.

Por que você acha que essas fotos devem ser tiradas por mulheres?
Bom, não é tanto assim. Eu não sei se você está ciente das aventuras de Terry Richardson com a imprensa, mas eu também de vez em quando recebo comentários de que sou um velho sujo. Eu parei de pedir para fotografar garotas nuas faz tempo, agora eu costumo pedir fotos de rapazes ou gays e estou bem com isso, é o que fiz toda a minha vida, por isso é muito fácil.

O que você acha que as meninas pensam? Por que você acha que elas querem ser fotografadas?
Bom, uma menina aqui da Cidade do México me escreveu antes de eu vir e disse: "Na minha lista de coisas para fazer antes de morrer está ser fotografada por você". Então talvez tire foto dela, mas realmente não sei o que pensam. Cada vez é diferente, porque, por exemplo, para este workshop (na data em que a entrevista foi feita, Kern estava na capital do México participando do Festival Portfolio) as meninas não disseram "quero ser fotografada por ele", mas "eu vou ser fotografado por alguém". As meninas que escrevem, no entanto, parecem ser fãs.

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Uma vez li uma entrevista de Andres Serrano. Ele comentou que não conseguia imaginar por que alguém compraria um de seus retratos de membros da Ku Klux Klan, até que um amigo disse que não compravam uma imagem de alguém da KKK, mas um Andres Serrano. Você acha que querem um Richard Kern e não apenas uma fotografia erótica?
Sim, isso é certamente algo do mundo da arte. Eles estão comprando o que acreditam que irá fazer história. Eu não estou dizendo que seja isso, mas que podem pensar isso. O genial é que nenhuma dessas coisas realmente faz diferença no mundo inteiro. Em 50 anos, ninguém vai se importar. Mas seria bom se alguém visse uma de minhas fotos e dissesse: "Isto é o que acontecia nesse período". Já que muitas das minhas coisas foram feitas antes que houvesse tantas pessoas fazendo, talvez isso possa acontecer.

O que você procura em uma garota para poder fotografá-la?
Uhm … que tenha algo que me atraia, que pareça ter boa atitude.

Veja a série completa em Sessão da Tarde.

E quando fotografa garotos?
É uma circunstância diferente, eu os conheço por outros meios. Não necessariamente fotografo aqueles que me escrevem, mas os que conheço por meio da VICE ou por alguma outra mídia. Pode ser que use em algum projeto. Muitas vezes, acabam aparecendo em meus filmes e vídeos.

Existe mais alguma coisa que queira dizer?
Eu ia dizer que isso tem muito a ver com o fato de que há alguns fotógrafos que não me parecem nada bons, mas que são muito famosos e eu sempre me pergunto: "Por que as pessoas gostam desta pessoa?". E eu acho que muitas vezes, quando alguém vê uma foto, o que vê é o nome do fotógrafo. Veem o nome primeiro e depois a imagem.

Claro, além de todas as imagens que existem na internet é muito fácil ficar preso no grande número de conteúdo medíocre que existe. Hoje, mais do que antes, você pode ter acesso a um número quase infinito de imagens. O difícil é encontrar o que vale a pena. Existe muita informação, ou neste caso, muita desinformação.
Eu vejo isso com meu filho. Ele tem 14 anos e passa dez horas por dia na frente do computador. Têm pessoas que são famosas para ele das quais eu nunca tinha ouvido falar. Mas ele sempre me pergunta: "Você sabe quem é este?". Tudo sai da Internet e essas pessoas o estão influenciando. Quando crescer, isso vai ficar na sua cabeça, essas pessoas continuarão a ser importantes. Sempre pensei no quanto é importante para os jovens fotógrafos que façam mais pesquisas sobre a história da fotografia e a história da arte. Você tem de ver tudo o que foi feito e, em seguida, fazer algo diferente.

Foto por Carlos Álvarez Montero. 

Exato, muito obrigada pela entrevista.
Genial, de nada.

[Tradução de Sarah Germano]