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Hoje fui ao bairro do Aleixo ver patos

A Torre 4 do Aleixo foi reduzida a um monte de betão, cocaína e capitalismo.

Fotografia por Eduardo Santos Não fazia a mínima ideia de como chegar ao bairro do Aleixo. Perdi uns 20 minutos em paragens, à procura de um autocarro que me levasse até lá. Acabei por decidir lançar-me à aventura e entrar no primeiro autocarro com destino a Matosinhos. Saindo em Massarelos, segui o cheiro a lágrimas e a heroína até chegar a um lugar perto do rio, onde estava uma multidão em volta de um carro dos bombeiros. Aquilo estava totalmente lotado. Toda a gente queria ver a segunda implosão. Aliás, consigo facilmente atirar uns números ao ar e determinar a quantidade de pessoas que apenas estava lá para bisbilhotar: digamos, 70 por cento. No mínimo. É que toda a gente gosta de implosões. Não, a sério, desafio qualquer um de vocês a fazer zapping. Desafio-vos a passar por uma série sobre demolições de edifícios e a não perder, pelo menos, dois minutos a ver prédios a ruir. E isso é na televisão, as implosões ao vivo são ainda melhores. Podem sentir a tragédia a tocar-vos na retina, quando a poeira é trazida pelo vento. A polícia formava uma linha, não permitindo que as pessoas atravessassem para o outro lado da estrada. Eu estava do lado do rio, não me consegui aproximar mais do que isso. Acho que devia ter chegado mais cedo para conseguir melhores lugares — afinal isto das implosões é como ir ao futebol ou ao teatro. Havia um bando de patos no rio a fazer coisas de patos, o que me pareceu uma boa distracção enquanto esperava pelo grande espectáculo. Toda a gente que ali estava planeava saltar para cima do Rui Rio assim que lhe pusessem os olhos em cima. O que seria sempre bastante difícil, já que o número de polícias era quatro vezes superior ao número de pessoas revoltadas com a insensibilidade camarária. Por essa altura, estava mais distraído com o bando de patos a ser arrastado pela corrente. A espera estava a ser eterna e então decidi perguntar a uns senhores espectadores qual a torre que iria ser demolida. Infelicidade a minha. Pelos vistos, já tinham demolido a torre antes mesmo de eu lá ter chegado e a maior parte dos ex-habitantes e espectadores da implosão já se tinha ido embora — os que ainda aguentavam, esperavam apenas pela saída do Rui Rio, que talvez já tivesse saído também. Algumas pessoas ainda tentaram ir para o outro lado da estrada, mas a multidão de habitantes não deixava que ninguém passasse para não criar confusão. Desapontado por ter perdido o espectáculo, decidi render-me ao vento e sair dali. Senti que tinha perdido um monte de tempo para nada, mas depois lembrei-me dos patos. Pelo caminho, ainda encontrei mais gente que ia (tentar) assistir à implosão. Certamente, também fizeram a viagem de regresso com o mesmo desalento. Resumindo: a Torre 4 do Aleixo foi reduzida a um monte de betão, madeira, capitalismo no seu melhor e cocaína. Com isto, sobram apenas três torres para demolir. Os apartamentos de luxo vêm a seguir. Espero que nas próximas vezes organizem um festival e cobrem bilhetes.