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Morre o inquieto José Ribamar, não Ferreira Gullar

Se em sua luta corporal José Ribamar encarou a inevitável escuridão, seu pseudônimo, Ferreira Gullar, o poeta, será eternizado.

Foto: Agência Brasil.

Um adolescente que não queria ser adulto e a vida o tornou poeta. Assim era José Ribamar Ferreira, o Ferreira Gullar, uma das figuras literárias mais importantes do país e cuja brilhante carreira teve de ser interrompida aos 86 anos no último domingo (4). Internado há vinte dias por causa de insuficiência respiratória, ele faleceu no hospital Copa D'Or, no Rio de Janeiro, e seu corpo foi velado hoje na Academia Brasileira de Letras, também no Rio.

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José Ribamar era um homem comum e escrevia para o homem comum. Nessa função, além de poesia, redigiu muitos ensaios, críticas, crônicas, biografias e traduções. Precursor e originário do neoconcretismo, Gullar deixou as amarras matemáticas e geométricas do texto e deu mais vivacidade ao sentido, ao espaço, a expressão e a subjetividade.

Filho de pais pobres, Gullar viveu infância e adolescência em sua bem-aventurada terra nordestina: o Maranhão, tema e paisagem de muitas de suas poesias mais marcantes. Ainda jovem, conviveu com recitadores de poemas nos bares de esquina locais e se encantou pela poesia moderna ao conhecer as obras de Carlos Drummond e Manuel Bandeira, dois nomes que serviriam como base para sua jornada vanguardista.

A Luta Corporal, seu livro de estreia, de 1954, foi o clarão das ideias e de sua poesia, uma inovação na linguagem que expunha a textualidade expressiva e sentimental. Pouco depois, Gullar juntou-se a outros poetas e artistas no Rio de Janeiro, o grupo neoconcreto, movimento que surgiu em 1959, com um manifesto escrito pelo poeta maranhense, seguido da teoria do não-objeto, textos que fomentam a história da arte brasileira.

No mesmo ano, o poema enterrado deu passagem a voz e luta política revolucionária de Gullar, um fervoroso militante comunista. Ele logo desfez os laços com o grupo neoconcreto e se revelou um escritor participativo e patriota, defendendo seus interesses comunistas a favor da sociedade e contra a ditadura militar dos anos 1960.

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Preso e processado por militares, Ferreira Gullar viveu exilado na Rússia, no Chile, no Peru e na Argentina. Voltou ao Brasil em 1977 e novamente foi preso e torturado. Solto por pressão internacional, voltou a trabalhar na imprensa do Rio e, depois, como roteirista de televisão. O traquejo do tempo exilado veio em obra com o Poema Sujo, um extenso poema de quase 100 páginas que se tornou a sua obra-prima, sendo traduzido e publicado em centenas de países.

Gullar dedicou-se por completo à escrita e à política, publicou mais de 30 obras, montou um grupo e peças teatrais. Chegou a ser nomeado a um Prêmio Nobel de Literatura em 2002 e, desde 2014, ocupava a cadeira número 37 da Academia Brasileira de Letras. Sua inquietude não o deixava parar: publicou uma infinidade de textos na última década sem nunca perder a originalidade, seu traço mais marcante.

Por mais que Gullar gostasse de ser um homem comum e de falar para todos os humanos comuns, seu talento era algo raro, uma dádiva. Se em sua luta corporal José Ribamar encarou o inevitável, a morte, seu pseudônimo, Ferreira Gullar, o poeta, continuará vivo nas bocas e mentes dos apreciadores da mais fina arte.

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