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Venha Reaprender a Jogar Videogames com Oniken

Nos anos 1990, o jogador tinha que se virar pra conseguir passar de fase e descobrir macetes. Hoje, o jogador manda no desenvolvedor. O resultado? Jogos cada vez mais fáceis. Mas não o Oniken.

A cena acontece desde que existem jogos eletrônicos: um jogador frustrado, concentradíssimo, com os olhos vidrados na telinha dá uma gemidinha, "aaargh!!", e, depois de alguns segundos, xinga a televisão, o videogame, o controle, a sociedade civil, a mãe, e joga o controle no chão puto da vida… Depois de alguns minutos, agora mais calminho (tá nervosa, santa???), volta e tenta passar daquela maldita fase de novo. Frustração é algo comum para jogadores de videogame desde que o capeta inventou esse instrumento maléfico, mas, alguma hora, em meados dos anos 1990, houve uma inversão de valores que chegou para aplacar os ânimos da criançada. Quando antes quem tinha que se virar para aprender cada parte do jogo e os MACETES úteis para conseguir conquistar a supremacia daquele maldito software era o jogador, no maior estilo tentativa e erro, agora é o jogador que manda no desenvolvedor do jogo para fazer algo que preencha suas expectativas e seja adequado às suas habilidades, que pararam de ser treinadas. O resultado? Jogos cada vez mais fáceis com tutoriais obrigatórios explicando cada movimento do bonequinho.

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Cabe aqui uma breve digressão para falar de dois casos interessantes apresentados por um dos títulos que foi base para muita coisa no mundo dos videojogos e que são exemplos bem ilustrativos dessas duas coisas, os tutoriais e a dificuldade decrescente dos jogos. O primeiro nível do Super Mario Bros. foi desenhado para mostrar os principais conceitos do jogo. Nesse belo textão aqui (em inglês) você pode ver como essa primeira fase foi feita para ensinar o jogador (sem nenhuma caixa de texto ou personagem secundário irritante) o que são aqueles malditos blocos com interrogação, como matar os inimigos, como controlar seu pulo para não cair em abismos mortais, enfim, todo o básico que você precisa aprender e praticar para terminar o jogo.

Após o sucesso estrondoso do jogo no Japão e no resto do planeta, a Nintendo estava pronta para lançar uma segunda versão do jogo. Porém, após pesquisar os distintos mercados ao redor do mundo, os japoneses e norte-americanos descobriram algo sobre as diferenças intrínsecas entre orientais e ocidentais. O Super Mario Bros 2 no Japão não é o mesmo dos Estados Unidos. A versão japonesa usa o mesmo engine do primeiro, mas com níveis consideravelmente mais difíceis do que no primeiro jogo. Ao observar isso, a galera da Nintendo resolveu lançar outra versão do jogo nos EUA, que, na verdade era uma adaptação de outro jogo que não tinha nada a ver com o bigodudo. Agora, você leitor, pode estar se perguntando: "Mas por que caralho você está gastando seu latim com esse papo e eu ainda não sei o que isso tem a ver com aquela imagem do começo do texto, porra?", calma que já vou chegar lá. Ou abre outro site aí, vai ler um livro, se vira.

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Alguns títulos clássicos do gênero plataforma, especialmente da era 8bits, são conhecidos especificamente pelo alto grau de dificuldade, como, por exemplo, Battletoads e Ghosts n' Goblins, e as primeiras iterações da ainda ativa série Mega Man. Nesses jogos, você praticamente tinha que decorar a fase para conseguir passar por ela com alguma tranquilidade, assim como aprender exatamente qual era o padrão de ataque dos chefões todos se você quisesse vencê-los sem ter uma sorte desgraçada. Oniken parte justamente dessa tradição, ignorando a mudança de valores que aconteceu nos anos 1990 para jogos cada vez mais fáceis e excessivamente explicativos. Você, após os belos cutscenes que se desenrolam entre as missões que contam a história do jogo, é jogado direto na ação e tem que aprender sozinho como se virar, dando espadadas a la Strider em ciborgues armados, monstros bizarros e ninjas malvados. O jogo, originalmente de 2012, foi relançado no mês passado em uma versão repaginada no Steam e está disponível para compra por módicos R$ 15,90, mais barato do que o almoço no por quilo perto do seu trabalho. Um dos atrativos do jogo é justamente não ter somente o visual da era do NES, mas tentar representar a experiência toda.

Trailer da versão de Steam do Oniken.

Mas será que Oniken é um jogo tão difícil conforme anunciado? Vamos ver dessa forma: Filosofia analítica é difícil? Tocar "O Cravo Bem Temperado" num tecladinho infantil é difícil? O modelo físico da teoria das cordas é difícil? Pintar uma cópia de um quadro do Euronymous Bosch, boa o bastante para entrar no acervo do MASP, é difícil? Claro que sim, mas não tanto se você sabe o que está fazendo. Oniken, como os antigos, obriga você a decorar o jogo. Cada inimigo, cada pulo, cada erro é uma lição que você memoriza. Os chefes são difíceis, mas não impossíveis ou simplesmente injustos como os de alguns jogos do gênero de fato são. Eu sou meio chulé nesse tipo de jogo e, embora ainda não tenha terminado de jogá-lo, não estou indo tão mal assim. Fico progressivamente melhor cada vez que jogo, e é justamente essa abordagem que existia antes das escolhas de dificuldade Very Easy ou Beginner. Vale ressaltar que não tenho absolutamente nada contra jogos fáceis, já que um dos meus preferidos de todos os tempos é Castlevania: Symphony of the Night para PSOne, um jogo até bem fácil se você não sabe muito bem o que está fazendo (a não ser que você jogue com o Richter Belmont, mas eu não gosto dele, então foda-se). Esse tipo de jogo lembra bem os títulos da época do NES, quando você sofria para chegar ao final, alguns deles apresentando somente uma tela de Game Over quando você finalmente zerava em vez de uma arte pixelada maneira, que é o mínimo que podiam fazer por nós, sofredores.

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Mas, além da jogabilidade, qualé dos outros fatores do jogo, como arte visual, música e narrativa? Bem, tudo isso é feito do jeito certinho para você querer deixar seu mullet crescer e usar uma jaqueta jeans com as mangas cortadas. Você controla a personificação da testosterona no formato de ZAKU, um mercenário misterioso que esta pronto pra descer o cacete em todo mundo com sua espadona máscula (claramente um simbolo fálico que representa o patriarcado). E é tudo bem amarrado dentro da estética fim-dos-1980-começo-dos-1990 que o jogo pega como fonte principal de referência. Os criadores do jogo citam jogos menos conhecidos de Nintendinho como fortes fontes para Oniken como o Vice: Project Doom e Kabuki: Quantum Fighter, assim como títulos mais conhecidos, como Ninja Gaiden.

Oniken tem força justamente por não fugir tanto de suas matrizes. Os side scrollers da época quase obrigatoriamente tinham uma fase da motinha. Esse jogo tem? Sim. Era comum você pegar um tão almejado power up para seu golpe ficar mais potente, mas se você levasse uma porrada, ele ia para o saco. Rola isso também? Sim. Você controla um herói com força e habilidade sobre-humanas, o único capaz de salvar a humanidade em um mundo pós-apocalíptico? Óbvio que sim, amigão.

Chupa, pelo menos uma fase eu consegui terminar.

Vale notar também que o jogo foi desenvolvido pela galera da JoyMasher, uma empresa 100% brasileira que teve essa belezoca como primeiro jogo maior e agora está trabalhando em Odallus, que segue o estilão 8bits, mas, dessa vez, parece uma bela junção de Castlevania com Blackthorne com Metroid com o corpo do Conan. Parece que a pegada vai ser o mesmo retrô do Oniken, mas com outros jogos em foco. Oniken é um bom passatempo se você gosta de sofrer um pouco na frente da telinha e dar uma desopilada xingando os chefes. As cenas entre as missões também são ótimas para acompanhar a história, que não decepciona em nada. Oniken é tudo o que você poderia esperar de um jogo de ação do final dos anos 1980 com os clichês mais gostosos de um grupo de rebeldes lutando contra uma corporação maligna que está tentando dominar a Terra. Se você acredita na máxima "o brasileiro não desiste nunca", vai tentar terminar o jogo logo.

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca