Fotografando a Mágica Esquecida de Todas as 947 Cidades do Iowa

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Fotografando a Mágica Esquecida de Todas as 947 Cidades do Iowa

O fotógrafo Cody Weber quer recuperar o Iowa esquecido.

É um passatempo de Iowa, me diz Cody Weber, passear de carro por estradas de terra só para ver onde você vai acabar. Essas estradas se estendem por quilômetros, chacoalhando seu carro a cada solavanco do terreno e te deixando numa cidadezinha com menos de mil habitantes. Às vezes, há um posto de gasolina, mas geralmente você encontra uma colcha de retalhos de escolas abandonadas, mercearias com o teto cedendo, campos e casas onde a mesma família mora há gerações. Se piscar, você pode perder esses lugares – mas, olhando essas cidades bem de perto, você, com a perspectiva certa, pode achar algo mágico ali.

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Pelo menos é isso que Weber afirma, e ele deve saber do que está falando. O nativo de Iowa partiu no mês passado numa viagem para fotografar todas as 947 cidades do Estado americano, um projeto chamado Forgotten Iowa. O propósito, segundo ele, é capturar esses lugares como realmente são e restaurar um senso de orgulho em se ser de Iowa.

Quando falei com ele sobre o projeto, ele foi inabalavelmente educado, confirmando o estereótipo de que o Meio-Oeste tem as pessoas mais simpáticas do país. Ele parecia perfeitamente consciente de que a maioria das pessoas nunca viu – ou se interessou em ver – as cidades que ele está fotografando, mas esse é exatamente o objetivo. Iowa é mais do que currais e milharais, ele me explica. "As comunidades são uma parte importante." E, enquanto visita cada cidade, ele tenta falar com as pessoas, ouvir suas histórias e fotografar os lugares que são importantes para elas – a fim de recuperar o Iowa "esquecido".

VICE: Onde você cresceu em Iowa?
Cody Weber: Sou de Keokuk. Uma cidade pequena com cerca de 10 mil pessoas. Antes, eram umas 20 mil, mas as pessoas estão indo embora.

Você sempre morou lá?
Estive por toda parte. Acho que a maioria das pessoas da minha geração que cresceu em Iowa tinha o sonho de dar o fora daqui. [risos] Acho que, quando é jovem, você tem dificuldade de apreciar as sutilezas que tornam Iowa um lugar legal de se estar. Mas esse é sempre o sonho dos garotos, e era o meu também. Saí da casa dos meus pais quando fiz 18 anos. Vivi em Nova Orleans por um tempo. Conheci minha namorada em Detroit e passei os últimos dez, 11 anos, viajando o máximo possível.

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O que te trouxe de volta?
Rastreei a linhagem da minha família e descobri que estamos na mesma área geográfica há mais de 150 anos. Eles estão aqui desde sempre. Um dos meus ancestrais foi um músico famoso chamado Carl Maria von Weber, e foi fácil descobrir minha linhagem, porque ela foi mapeada extensivamente por causa dele. Só tive de encontrar meu trisavô, e outra pessoa fez todo o bate-perna por mim. Descobri que minha família veio à América – éramos imigrantes alemães – porque um dos meus antepassados previu a ascensão do nazismo, e sua esposa era judia. Então, eles embarcaram ilegalmente num navio pesqueiro e acabaram na Virgínia; depois, vieram ao Missouri no começo de 1800. Sou de uma área entre três Estados – você pode chegar ao Missouri, Iowa e Ilinóis em cinco minutos –, e eles ficaram nesse pequeno bolsão desde então.

Quando era mais novo, eu odiava isso aqui. Eu não sabia quão extenso isso era – tipo, há quanto tempo minha família estava por aqui –, mas não gostava dessa ideia de que eu tinha esse destino de viver numa cidadezinha no meio do nada para sempre. Então, eu achava importante não seguir isso. Eu queria quebrar o ciclo. Acho que a razão para as populações estarem começando a diminuir em Iowa é porque a Geração Y, especificamente, é atraída pelas cidades por causa das oportunidades que não se encontram nas cidades pequenas dos EUA.

Não é exatamente o sonho da Geração Y morar em Iowa.
Com certeza, não. Mas, sabe, tenho muitos amigos que sempre viveram na cidade grande, e eles acham difícil sequer reconhecer que lugares como essas cidadezinhas podem existir. Eles estão tão acostumados com arranha-céus e pessoas em todo lugar, e aqui temos essas cidades com prédios intocados há 200 anos. É quase como um mundo diferente.

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Você está tentando visitar todas as cidades do Iowa. Quantas são?
São 947 cidades incorporadas, mas sou ambicioso e quero fotografar as cidades ainda não incorporadas também. Essas são muito mais difíceis: algumas ficam a quilômetros e quilômetros de distância por estradas de terra.

Quantas dessas você já fez até agora?
Estou na 60ª agora.

O que você aprendeu sobre Iowa ou sobre os iowanos?
O estereótipo sobre as pessoas de Iowa é verdade: somos muito simpáticos. Os iowanos são as pessoas mais simpáticas que já conheci. Quando vivi em lugares como Detroit ou na Louisiana, fiquei chocado em ver como as pessoas não ligavam para as boas maneiras, como segurar a porta aberta para alguém. Você tem de fazer isso no Iowa. E, quando faz, você basicamente entra numa conversa de dez minutos; pelo menos, um "muito obrigado". Mas, quando estive em Michigan, por causa do iowano em mim, eu segurava a porta aberta para as pessoas e elas achavam que eu era maluco. De onde eu venho, isso é algo que você faz. Se é o primeiro na porta, você a segura aberta para a próxima pessoa. E lá, parece que as pessoas pensavam "Vou arranjar minha própria porta".

Há outros estereótipos sobre Iowa que você gostaria de confirmar ou negar?
Conheci muita gente que confunde Iowa e Idaho – o que é estranho para mim, porque esses Estados não poderiam ser mais diferentes. Sabe, milho e batata não são a mesma coisa. Outro estereótipo sobre Iowa é que, apesar de serem simpáticas, as pessoas têm um intelecto baixo. Isso não verdade.

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Não posso falar pela geração passada, mas, na minha geração, algumas das pessoas mais inspiradoras vêm dessas cidades pequenas. Elas são brilhantes e inteligentes; e, como não estão tão saturadas de outdoors e mídia o tempo todo, elas têm alma. Elas êm sua própria identidade. Quando estive envolvido com a cena de arte e a cena de música nas cidades, as coisas sempre começavam a ficar homogêneas. Bandas queriam soar como outras bandas, e artistas queriam pintar como outros artistas. Não há tanto esse desejo aqui. As pessoas realmente apreciam a criatividade em Iowa. Além disso, as pessoas assumem que Iowa é um Estado vermelho e que todo mundo é superconservador, mas Iowa meio que abriu caminho para os direitos civis: o direito das mulheres de votar, direitos gays e coisas assim. Geralmente, as pessoas aqui vivem pelo lema "Não vou te julgar desde que isso não me afete", e acho que essa é uma filosofia que o resto do país podia muito bem aprender.

Quando eu era garoto, todo mundo tinha esse adesivo de para-choque no carro dizendo 'Orgulho Keokuk' – tipo, você tem orgulho de ser dessa cidadezinha.

Isso é parte do que você estava tentando realizar com essa série de fotos: mostrar o Iowa real?
Acho que sim, de certa maneira. Uma crítica que tenho recebido é que tendo a focar em arquitetura dilapidada e coisas dessa natureza, porque, para mim, isso é o que essas cidades são. São essas as imagens que ficam na minha mente. Você provavelmente não vai ver essas coisas em nenhum outro lugar. Não quero fazer Iowa parecer melhor do que realmente é, mas também não quero que isso pareça pior. Só quero dar minha perspectiva. E, para mim, não é necessariamente ruim se uma cidade é velha, que uma cidade não esteja recebendo os fundos necessários ou derrubando prédios que deveriam ser derrubados. Na minha opinião, é isso que dá personalidade a essas cidades.

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Quando você visita uma nova cidade, há alguma coisa em particular que você procura fotografar?
Sempre que cruzo com um prédio escolar, isso me interessa. Não por causa da arquitetura, porque a maioria da arquitetura dessas escolas é muito similar no Estado. Para mim, escolas são um contraste interessante entre o que temos agora e o que tínhamos no passado. Sessenta anos atrás, ou mesmo antes, Iowa tinha muito mais moradores. Havia muito mais pessoas e muito mais coisas acontecendo. Agora, a maioria das escolas está consolidada e as crianças de um condado vão à mesma escola. Mas ainda há remanescentes de um tempo quando cada cidade tinha a própria escola e a própria identidade.

Vi uma escola outro dia em Oakville onde o teto tinha desmoronado completamente e as fundações estavam apodrecendo. E parece que ninguém tinha planos de tocar nisso. Acho que a razão para as pessoas não quererem derrubar essas escolas é porque elas têm memórias disso. Muitos moradores dessas cidades são pessoas mais velhas e frequentaram essas escolas. Alguns anos atrás, havia uma loja de música na minha cidade que desmoronou. Foi muito intenso. Mesmo assim – felizmente, ninguém se machucou: o lugar estava vazio na hora –, as pessoas mais velhas da cidade disseram "Não podemos derrubar esses prédios, porque eles têm significado histórico". E o que elas estavam querendo dizer era "Tenho um apego pessoal a esses prédios e não quero ver essa cidade mudar".

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Esses prédios não são apenas estruturas. São parte da memória coletiva da cidade.
Com certeza – especialmente das cidades pequenas. Se você está numa cidade grande, há desenvolvimento imobiliário acontecendo o tempo todo; então, não há um valor sentimental por esses prédios, porque há coisas indo e vindo sempre. Mas há restaurantes nessas cidades pequenas que existem desde que meus bisavós eram crianças. É uma marca da comunidade, e você não quer deixar essas coisas se acabarem. Você quer que seus bisnetos experimentem isso.

Acho que essas comunidades não veem esses prédios como eles são. Elas os veem como eles eram. Quero fotografar esses elementos decadentes, porque acho que essa é uma grande parte da identidade de Iowa. Não vamos nos lembrar de um shopping que parece igual a todos os outros shoppings dos EUA; vamos nos lembrar dessas estruturas individuais, que têm sua própria personalidade. Se essas estruturas ficarem na sua cabeça, elas vão ficar de pé.

Que tipo de resposta você tem recebido sobre o projeto até agora?
A maioria dos e-mails que recebo de pessoas que conhecem o Iowa é do tipo "Meu bisavós moraram nessa cidade, e muitas das minhas memórias são da casa deles". Essa é uma mensagem muito comum. Outro e-mail que recebo é de pessoas que querem que eu visite sua cidade, porque acho que elas têm um entendimento do que estou tentando fazer e têm suas próprias ideias, tipo "Temos este prédio que ele nunca vai encontrar em outra cidade". O que é ótimo, porque, quando eu sair do sudeste de Iowa, será uma nova aventura. Há cidades a 15 minutos de onde cresci que eu nunca tinha ouvido falar. Então, é ótimo quando uma comunidade me aborda, quando as pessoas querem me mostrar coisas que eu não encontraria na minha própria cidade.

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Cerca de 90% dos e-mails que recebo são positivos. Os 10% negativos geralmente são de pessoas que parecem envergonhadas que eu tenha decidido fotografar suas cidades. Num nível fundamental, isso me incomoda. Não é isso que estou tentando fazer. Não estou tentando fazer os cidadãos dessas cidades sentirem que são ninguém. Acho que o país já faz isso sozinho. É por isso que chamei o projeto de "Forgotten Iowa" – porque esse é um Estado incrivelmente importante e, ainda assim, parece não receber nenhum reconhecimento. Então, não quero que essas pessoas tenham vergonha, mas meio que tenho de ignorar isso, porque, se eu estiver tentando atender alguma demanda, não vou estar sendo honesto comigo mesmo e com minha própria perspectiva – e isso vai aparecer no trabalho.

Espera… há cidades a 15 minutos da sua de que você nunca ouviu falar? Como isso é possível?
Acho que, para ter uma conexão com essas cidades, você precisa conhecer alguém que more ali ou tenha família ali, porque não há negócios. Há um café ou algo assim, às vezes um posto de gasolina, mas a maioria dessas cidades não tem nem isso. Elas têm dez ou 11 famílias, e elas provavelmente moram ali há tanto tempo quanto minha família mora na minha cidade. Nunca tive uma razão para ir a essas cidades, o que é um grande motivador para eu ter decidido fazer esse projeto. Eu me considero um iowano e tenho um certo orgulho disso – gosto de ser do Iowa. Então, quero entender isso numa escala maior.

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Quero que as pessoas tenham uma prova física de que essas coisas existiram, porque não são apenas prédios. São memórias.

Como iowano, você sente algum tipo de afinidade com as pessoas que moram nessas cidades?
Quando conheço alguém e a pessoa fala sobre sua cidade, ela geralmente descreve isso como eu descreveria a minha cidade. É uma combinação de orgulho e tristeza. Porque mesmo eu – só tenho 26 anos – lembro que a cidade era muito melhor quando eu era criança. Havia muito menos drogas, muito mais indústrias. Quando eu era garoto, todo mundo tinha esse adesivo de para-choque no carro dizendo "Orgulho Keokuk" – você tem orgulho da sua cidade. E, enquanto eu ia crescendo, isso se tornou vergonha. Às vezes, vou a outras cidades e me perguntam "De onde você é?"; e eu digo "De Keokuk", e eles dizem "Ah, sinto muito".

Não vejo Keokuk dessa maneira. Para mim, Keokuk é um lugar onde pessoas de muito bom coração vivem: pessoas genuínas, pessoas que dariam a roupa do corpo se você precisasse. Andando pela cidade, parece que uma bomba caiu aqui e as pessoas decidiram ficar. Então, entendo essa perspectiva. E é por isso que fico confuso quando recebo um e-mail dizendo "Você está capturando o lado ruim dessa cidade", porque não é isso que estou fazendo. Essas são as coisas de que gosto. São as coisas boas sobre essa cidade.

Você acha que vai morar em Iowa para sempre?
Não quero que meu legado seja Iowa. Honestamente, quando minha namorada se formar [na Maharishi University of Management, em Fairfield, Iowa], planejamos nos mudar para o Oeste. Não quero ter 35 anos e ainda estar em Iowa fazendo retratos de família. Além disso, os invernos aqui são brutais. Faz muito frio. Quero ir a algum lugar que não tenha neve. [risos]

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Qual cidade que você visitou até agora que ficou na sua mente? Uma inesquecível?
What Cheer, Iowa. É uma antiga cidade de mineração de carvão, e um dia foi uma comunidade muito próspera. Eles tinham uma casa de ópera, e dá para perceber que havia muita cultura ali. Se você for até lá agora, as minas de carvão se esgotaram, obviamente, mas essas coisas continuam ali, e você pode ver como a cidade foi grande e bonita um dia. Quando estávamos lá, esta senhora me viu tirando fotos e acenou para mim. Ela provavelmente tinha quase 90 anos e começou a me contar a história de sua vida: como ela passou a vida inteira naquela cidade. Ela lembrava como as coisas eram quando o lugar era próspero e ficou muito feliz em me ver documentando isso, porque ela disse que as pessoas não passavam mais por ali. Depois que construíram a rodovia interestadual, não há motivo para passar por What Cheer – esse é um lugar aonde você só vai se morar ali. Ela se lembrava de quando era menina e seu pai chegava em casa preto de poeira, além de ir à Ópera nas noites de sexta-feira. Ela disse que esperava ver um ressurgimento da cidade enquanto ainda estivesse viva, porque se lembrava disso como um lugar muito bonito, mas então ela falou: "Nunca vou viver para ver esse lugar melhorar".

Esse foi um momento importante para você?
Sim. Foi quando uma luzinha na minha cabeça se apagou, porque percebi que ela estava falando de What Cheer do mesmo jeito que eu falava de Keokuk. Quando alguém vem a Keokuk pela primeira vez – tipo, quando levei minha namorada lá –, eu aponto todas as coisas de que me lembro da minha infância, quando a cidade era um lugar melhor. Mostro todas as coisas legais, e isso era exatamente o que aquela mulher estava fazendo comigo. Mas não estou perto dos 90 anos – tenho 26. Claro, quando eu tiver a idade dela, vou ter visto mudanças significativas, e é importante para mim documentar essas coisas que não vão durar mais 60 ou 70 anos. Muitas coisas que fotografo não vão durar nem mais cinco anos. É da maior importância para mim capturar essas coisas antes que elas desapareçam, porque quero que as pessoas tenham provas físicas de que essas coisas existiram, porque não são apenas prédios. São memórias. E vejo como isso é importante para as pessoas.

Ao mesmo tempo, quero ver crescimento. Você não vai atrair negócios para cá quando nossas estradas são péssimas e nossos prédios estão caindo. Não vai. É essa espada de dois gumes, porque, em algum ponto, eles vão ter de tomar a decisão de fazer alguma coisa sobre isso. E quero que as pessoas se lembrem da cidade como ela é ou era. Quero que elas tenham a chance de fazer isso.

Siga o projeto Forgotten Iowa aqui e no Tumblr, e veja mais fotografias do Cody no site dele.

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Tradução: Marina Schnoor