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Por dentro dos centros de detenção de crianças imigrantes nos EUA

“Está tudo horrível agora. As crianças não estão sendo devolvidas aos pais. Não faz o menor sentido.”
Um centro de detenção de imigrantes no Texas em 2014. (Foto por John Moore/Getty Images.)

Desde o momento que o procurador-geral Jeff Sessions anunciou a política de "tolerância zero" que separou crianças imigrantes de seus pais e guardiões, as pessoas que acompanham as notícias apenas imaginam o que está realmente acontecendo dentro dos centros de detenções onde abrigam os menores desacompanhados. Até mesmo membros do Congresso norte-americano tiveram entrada negada nesses estabelecimentos, enquanto advogados e defensores dos detentos ofereceram relatos breves mas chocantes da vida dentro dessas prisões.

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Nesta segunda (18), a ProPublica publicou um áudio aterrorizante feito aparentemente dentro de um dos centros de detenção, revelando o caos e a confusão que se cria quando crianças estão com medo e totalmente abandonadas.

Segundo a reportagem, o áudio foi entregue à advogada de direitos civis Jennifer Harbury por um dos seus cliente, que pediu anonimato, na semana passada. Por oito minutos agonizantes, é possível ouvir os choros e berros de crianças chamando pelos pais, trabalhadores do governo com dificuldade para cuidar de todas as crianças e pelo menos uma voz de um homem, identificado como um policial da fronteira, que por alguma razão achou que seria uma boa ideia fazer uma piadinha da situação.

"Bom, aqui temos uma orquestra", disse o homem no começo do áudio, em espanhol. "Falta o maestro."

O áudio dá apenas uma pequena perspectiva do que está rolando dentro das dezenas de abrigos que guardam pelo menos 10.000 menores desacompanhados pelo país, 2.000 somente nas últimas seis semanas. E mesmo depois que o áudio termina, é impossível não continuar ouvindo o desespero interminável dessas crianças invisíveis dentro da sua cabeça, ainda mais não tendo ideia de quando muitas delas poderão se reunir com suas famílias.

Semana passada, o senador americano Jeff Merkley do Oregon tentou visitar uma instalação de detenção de crianças imigrantes em Brownsville, Texas. E a coisa não foi bem. Num vídeo publicado no Facebook que já tem milhões de visualizações, Merkley detalha seus esforços frustrados para ganhar acesso ao prédio — um Walmart reformado — depois de ter a entrada negada várias vezes pelos funcionários.

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O senador tinha uma pergunta simples: O que acontecia dentro do prédio — e onde estavam as crianças?

No mesmo final de semana, Merkley — um democrata liberal — fez outra viagem a uma instalação similar chamada Centro de Processamento de Controle de Fronteira McAllen, onde disse que viu as crianças serem mantidas em jaulas, bem parecido com uma série de fotos de 2014 que recentemente se espalhou pela internet.

“Eles têm essas jaulas enormes feitas de alambrado, fechadas por cima para as pessoas não conseguirem escalar”, disse Merkley. “Sempre que eu pressionava sobre as circunstâncias, a resposta era apenas genérica. 'Sei lá o que é exigido para segurança, e sei lá o que é exigido para controle'.”

A viagem veio depois do anúncio do novo conjunto de políticas particularmente draconianas aprovadas por Jeff Sessions e a administração Trump, como um jeito vilanesco de desencorajar a entrada no país. “Se você não quer ser separado dos seus filhos, não os traga para cruzar a fronteira ilegalmente”, Sessions disse em maio quando a política de tolerância zero para adultos cruzando a fronteira foi anunciada.

A instalação em Brownsville onde Merkley tentou entrar é gerenciada por uma empresa chamada Southwest Key, que tem dezenas de prédios do tipo pelo país e recebe dezenas de milhões de dólares do governo federal todo ano em contratos do Gabinete de Reassentamento de Refugiados, do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS em inglês). Apesar de ser uma organização sem fins lucrativos, os líderes da empresa recebem salários exorbitantes — o presidente e CEO Juan Sanchez recebeu US$ 770.860 em compensações em 2015, um aumento significativo considerando o ano anterior. Mesmo assim, eles insistem que seus esforços são pro bem das crianças.

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“Na Southwest Key, compartilhamos as preocupações do senador Merkley com as crianças, e apreciamos que ele tenha tirado um tempo para viajar até a fronteira”, a empresa disse numa declaração. “Há mais de 20 anos, a Southwest Key vem agindo como primeira resposta humanitária, cuidando de crianças imigrantes chegando no país sem pais ou guardiões. Fornecemos serviços 24 horas que incluem: alimentação, abrigo, cuidado médico e mental, roupas, apoio educacional, supervisão e apoio judicial para reunião”.

Pode ser. O problema é que, como a visita de Merkley mostrou, poucas pessoas fora da empresa conseguem acessar o que acontece lá dentro. Das dezenas de grupos de auxílio legal a imigração que contatei, a maioria indicou que nunca pôde entrar num desses centros de detenção. (Numa declaração, um porta-voz da Administração de Crianças e Famílias do HHS disse que Merkley “tentou entrar num abrigo de crianças desacompanhadas (UAC) sem ser anunciado e transmitindo ao vivo pelas redes sociais noite passada no Texas. Felizmente para a segurança e dignidade das crianças sob cuidados lá, ele teve acesso negado. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos tem o mandato legal para cuidar dessas crianças com seriedade. Ninguém que chegar sem ser anunciado num dos nossos abrigos exigindo acesso às crianças sob os nossos cuidados terá entrada permitida, mesmo afirmando ser um senador americano”.)

Uma pessoa que já conseguiu entrar num lugar assim, apesar de não na instalação de Brownsville, é Rochelle Garza, advogada de imigração da área que representou uma garota de 17 anos conhecida como Jane Doe ano passado num caso famoso, onde o governo se recusava a permitir que ela saísse do centro de detenção para fazer um aborto. (Ela eventualmente conseguiu, embora a Suprema Corte tenha descartado o precedente em questão.)

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Falei com Garza sobre as frustrações de tentar representar crianças que foram tiradas dos pais na fronteira, e por que ela acha que as novas políticas da administração Trump só pioram as coisas.

VICE: O que era feito tradicionalmente com crianças imigrantes desacompanhadas?
Rochelle Garza: Primeiro, algum contexto: o Ato de Autorização de Proteção de Vítimas de Tráfico de 2013 e o Acordo de Assentamento Flores são as legislações que controlam o tratamento de menores desacompanhados. Geralmente são crianças do triângulo norte da América Central. Qualquer criança que se apresente ou seja encontrada nos EUA sem os pais é um menor desacompanhado. Você geralmente não vê crianças mexicanas, já que elas geralmente são devolvidas ao México. As crianças centro-americanas são as que são colocadas em instalações como essa, muitas vezes fugindo da violência em Honduras e El Salvador, que vêm para cá tentando encontrar um parente ou outro conhecido.

Muito disso já acontecia antes, incluindo na administração Obama. O que é diferente agora?
A separação das famílias é a questão agora. Crianças estão sendo tiradas dos pais e obrigadas a se tornarem menores desacompanhados. Sob a nova política anunciada por Jeff Sessions em maio. É meio uma crise e é autoimposta. Estamos separando pais dos filhos e essas crianças estão inundando o Gabinete de Reassentamento de Refugiados. Os pais estão sendo processados e canalizados pelo sistema de imigração. E desse contexto que estamos falando.

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A instalação de Brownsville tem capacidade para entre 1200 e 1500 pessoas. Da última vez que ouvi, aquela instalação sozinha tinha 1200 pessoas. Em certo ponto tínhamos 20 instalações como essa no Vale do Rio Grande no sul do Texas.

Como é dentro dessas instalações?
Depende da instalação; já estive em várias. Elas têm salas de aula, algumas delas são em antigas escolas, algumas em prédios novos. Essa de que estamos falando é num antigo supermercado. Há salas com beliches. Há salas onde as crianças têm aulas de inglês e cursos de educação básica.

As crianças entendem o que está acontecendo com elas?
Essa é parte de uma imagem maior. Quando uma criança vem para o Gabinete de Reassentamento de Refugiados, eles fornecem uma apresentação para ela conhecer seus direitos. Há fornecedores de serviço legal perto dessas instalações. Eles explicam os procedimentos e quais os direitos dela. Eles explicam um pouco do sistema judicial e o que esperar. Mas não podemos esperar que todas as crianças entendam. São crianças ouvindo uma explicação em outra língua. Temos que contextualizar a coisa toda. Elas assistem vídeos sobre avaliação de imigração legal para liberação, que pode ser um asilo, um visto juvenil ou visto para vítimas de tráfico. Há serviços dando a elas alguma informação sobre o que eles estão fazendo. Acho que as crianças entendem parte do que está acontecendo, mas não entendem tudo. São crianças.

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Geralmente os pais fazem ideia de onde os filhos estão?
Com o que está acontecendo agora, não, os pais estão sendo separados dos filhos e não recebem nenhuma informação da localização deles. Se você for até um tribunal federal onde eles estão sendo julgados, os pais vão perguntar “Onde está meu filho? Vou ser deportado com meu filho?” E o juiz vai dizer “Não sei”. Vai dizer algo como “Pelo que sei, vocês serão reunidos eventualmente”. Não sabemos a veracidade dessas afirmações. Neste ponto não sabemos o que está acontecendo. Sabemos que pais estão sendo separados dos filhos, e que há um influxo. Essas crianças não são menores desacompanhados no sentido tradicional [até o governo as tornar menores desacompanhados].

Quão justificada é a explosão de ultraje neste momento, como evidenciado pela natureza viral de algumas dessas histórias?
O que está acontecendo é uma atrocidade. É inacreditável separar crianças dos pais, crianças de apenas cinco anos. Os pais não sabem onde seus filhos vão parar. Eles estão sendo empurrados pelo sistema criminal e o sistema de imigração sem qualquer conhecimento de onde seus filhos estão, e as crianças não sabem onde os pais estão. Isso vai contra todo o ponto do processo de reunião de menores desacompanhados. A coisa é horrível agora. As crianças não estão sendo devolvidas aos pais. Não faz o menor sentido.

Você já teve acesso negado a uma dessas instalações?
Já tive acesso a um cliente negado em uma dessas instalações, uma criança. É um ultraje. Não há respeito pela relação advogado/cliente. Teve outro caso de Jane Doe com que lidei [outra garota que queria um aborto] e eles disseram “Tente falar com o Departamento de Justiça”. O Gabinete de Reassentamento de Refugiados tem obstinadamente negado acesso a saúde reprodutiva para essas jovens mulheres. É uma agenda deles. Não me surpreende que isso tenha acontecido com o senador.

O que uma pessoa comum vendo tudo isso pode fazer?
Acho que ligar para seu representante e pedir que ele ou ela investigue a questão. Diga ao representante: Não apoiamos a separação de famílias, isso é um abuso do sistema americano e dos ideais americanos. Estamos aqui para receber as pessoas: “Dê-me seus cansados, seus pobres, seus famintos”. E não é o que está acontecendo aqui.

Matéria originalmente publicada na VICE US.
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