FYI.

This story is over 5 years old.

análise

E se eu nunca quiser ter filhos?

Não gosto da ideia de ter de passar muito tempo com crianças. Fico nervosa só de ouvir uma criança chorar de cada vez que alguém lhe diz "não". Tenho a sensação de que isto da maternidade não é para mim.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

Em Março de 2015 cheguei à mesma idade que a minha mãe tinha quando me deu à luz. Desde então tenho pensado muito na maternidade. A minha mãe deixou bem claro que quer ter netos. Cada vez que fala deste tema, eu faço um ar de interessada e, logo a seguir, mudo de assunto. Não sei como dizer-lhe, tenho a sensação de que admitir que não tenho o menor interesse em ser mãe vai soar muito mal.

Publicidade

Muitas vezes chamam egoístas às mulheres que decidem não ter filhos. Egoístas por não quererem assumir a responsabilidade de ser mãe, por não quererem investir tempo e dinheiro noutra vida. Uma dessas mulheres "egoístas", Holly Brockwell, escreveu há pouco tempo no The Guardian sobre as vezes que tentou, sem êxito, submeter-se a uma esterilização quando tinha 20 anos.

Os médicos negavam-se a fazer a intervenção, porque estavam convencidos de que ela se iria arrepender. Também lhe chamaram egoísta. "Expliquei-lhes que era doadora de sangue, de órgãos, de medula e que, inclusivamente, tinha tentado doar os meus óvulos a casais que não podiam ter filhos. A resposta foi que não eram aptos, porque sou portadora de fibrose quística", explicou. E acrescentou: "Nem assim consegui convencê-los".

Vivemos num Planeta moribundo que se está a afundar lentamente sob o peso da humanidade e, mesmo assim, continua a existir demasiada pressão para criar novas vidas. As mulheres sem filhos, em vez de serem criticadas, deviam ser louvadas. Obrigado por não criarem mais humanos! Já somos suficientes! Na verdade, existem milhões de crianças abandonadas a precisar de um lar. Ah, não vão ter os teus olhos, nem o teu queixo, nem a predisposição genética da tua família para desenvolver doenças cardíacas? Ok, então esquece o que acabo de dizer.

O que não consigo explicar é o seguinte: a sensação de estar obrigada a ter filhos é mais forte que o desejo verdadeiro de os ter? Porque, essa pressão chega-me praticamente de todos os lados. Se não é da minha família, é de algum programa ou série de televisão, é esse tipo de argumentação constante de alguém que se vê obrigado a ter filhos para ser melhor pessoa. Seth Rogen até deixou de ser um ganzado preguiçoso! Kate Hudson já não está obcecada em chegar o mais longe possível na sua vida profissional! Parece que toda a gente me quer convencer de que, à custa de qualquer sacrifício, a maternidade vai mudar a minha vida para melhor. Por isso, quando me mostro hesitante, parece que querem ver-me arrependida.

Publicidade

Muitas pessoas, assim como a minha mãe, insistem que é por causa da idade, ou porque ainda não chegou o momento. Depois vem a conversa do relógio biológico. Antes de que eu me aperceba ele começa a contar e, nesse momento, vou transformar-me numa máquina de fazer bebés. Não percebo porque é que me dizem a mesma coisa tantas vezes. Não consigo entender porque é que ser mãe tem de ser a prioridade principal de uma mulher.

No jantar de Páscoa deste ano, a melhor amiga da minha mãe juntou-se a ela e contou-me o caso de uma outra amiga que tinha os seus 40 anos e que não tinha filhos. Falava dela com um tom tão lamentável que me irritou ao ponto de lhe ter de responder que o mais certo era ela ser uma mulher feliz, mesmo sem ter filhos. Infelizmente, ela não foi capaz de assimilar as minhas palavras. A sua resposta foi: "Esperou tanto tempo e agora é tarde demais. Se esperas demasiado, acabas por arrepender-te de não teres tido filhos".

Quando vejo as crias dos outros animais, fico com vontade de ter um. Mas a minha reacção é diferente com bebés. Posso soltar um "oh, que fofinho" quando vejo um bebé com uns mini óculos de sol, ou com os cabelos espetados, mas nunca me passa pela cabeça a ideia de querer ter um. Sei em primeira mão o que implica ser mãe. Quando tinha 16 anos, a minha mãe voltou a casar e ficou grávida da minha primeira irmã. Aos 22 anos, o meu pai teve uma filha com a mulher com quem se casou, então deu-me a segunda. Por mais que as adore, ter de viver com elas naquela altura da minha vida só ajudou a acentuar a minha ideia de que a maternidade pode ser esgotante e ingrata.

Publicidade

Vê: "Serás tu uma pessoa empática?"


Não gosto da ideia de ter de passar muito tempo com crianças. Não tenho paciência suficiente para ver episódios de séries para putos até à exaustão, nem o entusiasmo que é necessário para jogar jogos parvos, tipo escondidas. Fico nervosa só de ouvir chorar uma criança de cada vez que alguém lhe diz "não". Todos esses sentimentos devem ser um sintoma de que isto da maternidade não é para mim. Mas, quando partilho estes meus sentimentos, nunca recebo um "Então não sejas mãe" como resposta, mas sim alguma frase tendenciosa do estilo: "Só vais saber o maravilhoso que é ter filhos até os teres".

Mas, porque é que dizem isto? É realmente assim, ou deve-se mais à herança cultural onde se considera que a mulher é inútil se não procria? De qualquer forma, que tipo de conselho é esse? Nunca dirias a um sociopata para matar alguém se ele estivesse a duvidar da sua capacidade para ser um assassino em série. Ora aí está, para mim é muito parecido. Imaginem que eu tivesse um filho, confiando que os meus sentimentos mudariam quando o tivesse nos braços, mas depois isso não acontecia? Acabava por ser mãe, um coisa que não quero ser. Prefiro não ser mãe do que ser e estar arrependida, porque nesse caso tanto eu como o meu filho teríamos uma vida terrível.

Essa é outra questão da qual não se fala muito: estamos todos prontos para ser pais? A minha geração parece ser, economicamente, a menos preparada para isso. Rotularam-nos como a geração incapaz de crescer porque precisámos da ajuda financeira dos nossos pais até aos 30 anos. De acordo com um estudo canadiano realizado em 2014, 43 por cento dos entrevistados entre 30 e 33 anos admitiram não ter independência económica. Como é possível que alguém que é incapaz de se sustentar possa vir a sustentar uma criança?

Quando sonho com o meu futuro ideal, as crianças são secundárias. Vejo uma trajectória profissional de sucesso, um marido, vários cães no jardim e depois penso: "Ah, sim, e acho que vou ter um ou dois filhos". Agora, não sei muito bem o que isto significa. Até pode ser o que toda a gente diz, que ainda sou nova, que ainda não é o momento, que o meu relógio biológico ainda não começou a contar. Mas, no entanto, talvez as minhas fantasias me estejam a dizer que a maternidade não é uma coisa que eu queira, mas sim uma imposição. Como ter que ir a um super festival, mas mais caro. Acho que a única resposta, por agora, é que devo esperar e ver o que acontece.


Segue a VICE Portugal no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Vê mais vídeos, documentários e reportagens em VICE VÍDEO.