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Música

O Abbey Road faz hoje 45 anos, vamos celebrar

Um merecido tributo.

Quando falamos de bandas históricas cujo legado é frequentemente recordado, pouco existe que possamos escrever para acrescentar ao que já foi dito inúmeras vezes. Como para tantos outros grupos é este também o caso dos Beatles, havendo artigos, fóruns e livros inteiros dedicados à carreira e canções dos

fab four.

No entanto, a data de hoje corresponde a um marco assinalável não só para seguidores mais acérrimos da turma de Liverpool, mas também para tantos melómanos que mantêm este disco na sua mais elevada estima: hoje, 26 de Setembro de 2014, o

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Abbey Road

faz 45 anos e a efeméride justifica um pequeno tributo.

Desde que, a meio dos 60's, discos como

Sgt. Peppers

ou

Revolver

tinham rompido totalmente com a imagem e sonoridades que os tornaram lendas do Cavern Club, esses anos trouxeram também uma altíssima saturação entre os quatros Beatles. Os concertos ao vivo terminariam em 1966, o

clash

de personalidades era cada vez mais frequente (e entretanto juntar-se-ia Yoko Ono à equação com os resultados que conhecemos) e a morte de Brian Epstein —

manager

que, visto como o quinto

beatle,

tinha tido um papel fundamental na ascensão do grupo — vinha trazendo um clima insuportável no seio da banda, adivinhando que o seu fim poderia não estar muito distante. As sessões de

Get Back

(que mais tarde trariam

Let It Be

) foram particularmente penosas, marcando um distanciamento colossal e até certo ponto irreversível entre os membros.

Na ressaca destas sessões e perante os conflitos e insatisfação do grupo com as gravações finais resultantes, parte de McCartney a sugestão de que os quatro se juntem para gravar novas canções em simultâneo —

"the way we used to do it"

— com total compromisso e disciplina aliados à produção ao critério de George Martin. Surgem assim as sessões de

Abbey Road

como, mais até do que tempo de estúdio para concretizar um novo disco, uma sessão de terapia em grupo e auto-ajuda que se destinava a ser uma bolha de oxigénio no processo de revitalização da banda. Tal acabaria por não ter um efeito tão duradouro quanto isso — no final do mesmo ano já Lennon e McCartney teriam abandonado os Beatles de forma não-oficial — mas acabou por deixar um selo muito revelador naquilo que

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Abbey Road

se veio a tornar.

Tendo em mente o compromisso que faz arrancar as sessões de

Abbey Road

, estas trariam vislumbres de camaradagem entre os

fab

four que já se julgavam absolutamente extintos, colocando de novo em alto rendimento a galinha de ovos de ouro que foi o duo Lennon/McCartney e dando maior liberdade à crescente e notória evolução de George Harrison não só como guitarrista mas, principalmente, como compositor. Iniciadas em Fevereiro e terminadas em Agosto, as gravações desenrolar-se-iam num ambiente bem mais sadio do que o de discos anteriores, mas ainda assim com a sua dose de arrufos: Yoko Ono mantinha-se presença constante em estúdio para supervisionar o progresso e nem a necessidade de repouso depois de um acidente de automóvel trouxe paz aos restantes Beatles já que Lennon lhe instalara uma cama no local; Lennon continuava a discordar de algumas composições de McCartney — especialmente de

Maxwell's Silver Hammer

a que chamava de

"granny music"

— recusando a participar nas suas gravações. Sem sacrificar a eficácia e a capacidade de fazer óptimas canções, o desalinhamento continuava a precipitar o final da banda e como tal 20 de Agosto marcaria a última vez em que os quatro Beatles apareceriam simultaneamente num estúdio.

Musicalmente,

Abbey Road

junta muitas das influências e estilos que os Beatles abordaram em discos passados, juntando-lhes ainda uma dose de solidez que a possibilidade de composição em conjunto lhes conferia de novo. "I Want You (She's So Heavy)" e "Come Together" são dois dos expoentes máximos do rock

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blues

na discografia do grupo,

Something

e

Here Comes the Sun

mostram-se como duas das composições mais reconhecíveis de George Harrison (a primeira viria a ser alvo de uma excelente versão de Frank Sinatra, a segunda é um dos hinos folk inevitáveis para postar por esse Facebook fora aos primeiros raios de sol na Primavera) e até a já usual canção de Ringo Starr — que ocupava sempre uma posição de

oddball

nos discos tal como Starkey entre os Beatles — se mostrava em "Octopus' Garden" como algo que valia muito mais do que uma mera gracinha.

Ainda neste contexto há que mencionar, com honras de parágrafo próprio, a belíssima trilogia que quase encerra

Abbey Road

(as honras finais ficaram reservadas para "Her Majesty"

,

uma quase-faixa bónus repescada à última hora (literalmente) do chão da sala de edição e adicionada à rebelia no final do disco). "Golden Slumbers", "Carry That Weight" e "The End" não só constituem no seu todo uma incrível canção, mas também escondem em si um simbolismo único, demonstrando um tipo de clarividência que só está ao alcance das bandas especiais. Como última canção gravada colectivamente por Lennon, McCartney, Harrison e Starr, em cerca de nove minutos dá-nos ares nostálgicos e saudosos ("Golden Slumbers"), fala-nos das dificuldades sentidas pelo grupo e também ousa profetizar sobre o que viria a ser o período pós-Beatles de cada um ("Carry That Weight"

).

Termina com "The End", uma orgulhosa retrospectiva em rock de distorção que conta com solos dos quatro Beatles — Ringo Starr na bateria (o único solo de bateria que gravou no grupo), e McCartney, Harrison e Lennon em

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leads

de guitarra que retêm as características de cada um. A frase

And in the end the love you take is equal to the love you make

encerra a canção com chave de ouro, um epitáfio perfeito para a carreira enquanto banda, documentando aquela década louca que os Beatles acompanharam e ajudaram a traçar.

Muito mais do que uma capa icónica parodiada

ad nauseam

,

Abbey Road

é um documento que nos relembra quão bons eram de facto estes tipos e como não nos devemos lamentar que a sua música não se tenha prolongado por mais anos. A aparente incompatibilidade entre os membros constituintes — de forma mais ou menos vincada ­— acabaria por marcar quatro carreiras a solo prontas a surgir, inviabilizando grandes hipóteses de reuniões (que o assassinato de John Lennon em 1980 terminaria de vez), mas também foi um ingrediente fundamental em grande parte das suas canções mais geniais. Não sendo o último disco da banda —

Let It Be

, aproveitando as sessões de

Get Back

, seria lançado em 1970 quando a banda já tinha terminado — é em muitas formas o verdadeiro ponto final num percurso inigualável. Faz hoje 45 anos e está de parabéns. Celebremo-lo.