Dois Mil e Trava

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Dois Mil e Trava

No Translendário 2013, cada mês é representado por travestis fazendo as divas, as santas e até as Beatles.

Este mês, o Coletivo Artístico As Travestidas lançou a versão 2013 do seu Translendário, mistura de transformista com calendário. No material, cada mês é representado por homens vestidos de mulher fazendo as divas, santas e até as Beatles. É a segunda edição do projeto idealizado por esse grupo de Fortaleza, que ano passado causou rebuliço na Assembleia Legislativa do Estado graças à acusação feita por um deputado de que a folhinha tinha recebido dinheiro público pra ser feita. Em 2012, as páginas traziam fotografias de releituras despirocadas cheias de pirocas (ainda que não escancaradas) de pinturas como A Última Ceia e Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, a escultura Pietà, de Michelangelo, e até fotografias clássicas, como a imagem da Carmen Miranda e a capa de Abbey Road.

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Já pra versão atual, impressa numa tiragem de mil exemplares com arrecadação de verbas pelo Catarse, a ideia foi pegar um monte de entidades de vários credos pra, a partir daí, criar uma mitologia travesti própria. Segundo o release enviado pelo ator, diretor e idealizador da parada Silvero Pereira, 30, uma alusão “ao movimento dos negros que foram proibidos de exercer sua religiosidade por parte dos brancos, criando assim sua própria identidade religiosa”. Disso surgiram figuras como a Protetora das Europeias, a Deusa dos Incubados, a Protetora dos Males das Bombadeiras e outras. E assim vai, folha a folha, até janeiro de 2014, já com uma homenagem diferente. Infelizmente o Silvero não pode enviar todas as imagens desta edição, mas falou um pouco mais sobre o projeto. Feliz Ano da Serpente a todos.

VICE: De onde veio a ideia de começar a produzir calendários posados por travestis? Algum protesto, militância ou nada disso?
Silvero: É uma das atividades desenvolvidas pelo Coletivo que realiza ações que gerem visibilidade positiva e discussão sobre o universo trans na sociedade. O Coletivo é formado e pensado por artistas de diversas áreas (música, teatro, dança, fotografia, design e audiovisual). Assim, o Translendário é a atividade que engloba boa parte de todos os envolvidos. Este trabalho foi realizado não com o intuito de exigir respeito ou aceitação. Ele foi gerado como luta pra demonstrar que somos todos iguais perante deuses, entidades, santos e divindades. Teve alguma relação com a ideia realizada na Parada Gay de São Paulo de 2011, na qual foram expostos painéis com releituras homoeróticas de santos católicos numa campanha pela utilização de camisinha?
Não. Nem tínhamos conhecimento do caso. O Translendário 2012 causou polêmica quando lançado. Inclusive porque um deputado acusou a publicação de ter sido financiada com verba pública, afinal no folheto vinha impressa a logomarca da Prefeitura de Fortaleza. E em 2013, como está sendo a receptividade? Já soube de alguma ameaça ou acusação do tipo?
Nenhuma ameaça direta, mas em comentários anônimos pela internet há quem diga que devemos "ser apedrejados em praça públicas", "assassinados", "queimados". Isso só demonstra o quanto a sociedade ainda é mascarada e hipócrita. Ano passado o Neymar foi capa da Placar numa imagem em que ele estava crucificado e não li nenhum comentário desse tipo. Mas é só colocar um travesti na cruz que a gente já sabe o resultado.

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Você já disse em outras conversas que não foi investido nenhum centavo do governo no custeio do projeto. Por que, então, o símbolo da Prefeitura constava no material? Mesmo que não em dinheiro, houve algum apoio ou incentivo público pra levar a ideia pra frente?
Nós realizamos várias apresentações pra Coordenadoria LGBTTT da Secretaria da Diversidade da Prefeitura e, com o valor do cachê, decidimos investir no projeto. Como a Coordenadoria da gestão passada sempre foi muito companheira e a favor das causas LGBTTT, colocamos ele lá em homenagem aos coordenadores e suas políticas públicas implantadas ao longo da gestão. E como boa gestão que foi, nunca se colocaram contra essa nossa realização, mesmo porque só tiveram conhecimento após a publicação.

E desta vez o arrecadamento foi feito pelo site Catarse. Quanto foi levantado e em quanto tempo? Foi acima do necessário?
Desta vez a resposta foi totalmente pública, pois naquilo que fomos criticados, usar dinheiro público pra material desnecessário, agora o público foi investindo diretamente, sem intermediários, políticos, impostos, ou desvios de verbas. Em 30 dias, conseguimos 120% do valor pedido. Todo o valor foi usado na produção do projeto, cabendo ressaltar que não houve pagamento de estúdio, modelos, designer, diretores artísticos – a mão de obra foi toda voluntária. O valor arrecadado foi todo utilizado na impressão e postagem do material, além da festa de lançamento e dos brindes, conforme dito no site. No total foram impressos 1.000 translendários, 500 pôsteres, 15 banners, 400 adesivos e 180 ímãs. Já foram vendidos 400 kits.

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Quais os doze santos que fazem parte do calendário 2013? Por que eles foram escolhidos, em detrimento de outros? O que cada um deles representa?
Nós queríamos levantar a discussão sobre qual a posição da travesti na religião. Assim, pegamos várias manifestações de fé e mesclamos na construção da Identidade Religiosa das Trans. A escolha dos santos, entidades e orixás tinha a ver com aqueles que se encaixavam no universo trans. Nesta edição temos: o Olimpo (janeiro, decidimos começar e fechar o Translendário com todos na mesma foto, e essa primeira representa uma espécie de Altar Trans, com todos representando deusas fazendo alusão ao Olimpo); Protetor da Prevenção (fevereiro, por conta do mês do carnaval); Protetora das Injustiçadas (março, o mês da Semana Santa, já que ano passado fomos injustamente acusados de agredir a imagem católica, quando nossa intenção era reproduzir obras clássicas); Guia Espiritual da Androginia (abril, o tema faz parte do universo LGBTTT, logo o mês não importa, a questão mesmo é representar esse gênero); Protetora das Europeias (maio, época em que muitas embarcam ao exterior, pensando naquelas que viajam pra fora em busca de aceitação e os processos de feminilização); Deusa da Beleza (junho, mês da luta contra a homofobia, hora de se montar, se travestir, ficar bela e ir às ruas lutar pelos seus direitos); Deusa dos Incubados (julho, mês de férias, cidades recebem muitos turistas que se aventuram na noite, muitos deles longe de suas famílias e seus amigos, podendo assim assumir seus desejos); Profeta Trans (agosto, segundo semestre do ano, fazendo alusão ao mito de Tirésia, que vive seis meses homem e seis meses mulher); Nossa Senhora Protetora das Esquinas (setembro, o mês não importa, faz parte do universo); Protetora dos Males das Bombadeiras (outubro); Nossa Senhora das Festas (novembro, mês de aniversário da modelo da foto Tchaka Drag Queen, uma homenagem a ela); Sagrada Família (dezembro, mês de se confraternizar entre amigos e familiares, encerrando com um quadro familiar do grupo).

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Quem fez as fotos? Tem alguma história engraçada por trás de alguma delas?
As fotos são de Sol Coêlho, e a direção de arte é de Andrei Bessa e Silvero Pereira. Não teve nada muito fora de contexto no making of das fotos. Só as fotos de todas peladas, que eram sempre muito engraçadas. Encostar umas nas outras, a brincadeira, mostrar e esconder o órgão… Mas tivemos momentos muito mágicos, como na foto da crucificação: o ângulo e a iluminação pesquisadas pra chegar ao resultado desejado. Além da foto com o fundo da catedral de Fortaleza, que possui uma iluminação própria que muito nos favoreceu. Também tem a foto que faz referência a Iemanjá, que foi tirada à beira de uma belíssima praia em Fortaleza, chamada Sabiaguaba.

Os modelos são de onde? Receberam algum cachê?
O grupo é todo de Fortaleza, mas nesta edição convidamos uma drag famosa de São Paulo, a Tchaka Drag Queen, pra participar.

Rolou um casting? Como foi, aliás, esse processo de escolha? Qual das figuras era a mais disputada pra ser representada?
Nós, diretores de arte, já conhecemos os perfis. Fomos apenas encaixando.

E quem criou essas santas, deusas e entidades retratadas no calendário? Os nomes vieram de onde?
O Andrei Bessa e eu criamos a partir do nosso conhecimento no universo trans.

E pro ano que vem, vai continuar? Já tem alguma ideia pro calendário de 2014?
Sim, nós inclusive já colocamos janeiro de 2014 de brinde neste calendário. O tema vai ser Copa do Mundo, com uma imagem de travestis nuas com meiões de futebol e um globo de vidro representando nossa seleção de 2014. Entretanto, nosso tema também está sendo pensado sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, que este ano foi muito atingido por parte da Igreja Católica.

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Você sabia que 2013 é, segundo o horóscopo chinês, o Ano da Serpente?
Não sabíamos! Se tivéssemos tido essa informação antes, certamente não teria passado em branco [risos].

Clique em qualquer uma das imagens acima pra iniciar a visualização da galeria com imagens dos calendários de 2012 e 2013.

Pra adquirir o Translendário 2013, veja as informações aqui.

Mais pajubá:

Aquenda a Neca

Travelana Del Rey

Warias: Travestis Javanesas

Alice ArveilleSol Coelho

Barbara CotrofëSol Coelho

Protetora das EuropeiasSol Coelho

Protetor da PrevençãoSol Coelho

Profeta TransSol Coelho

Nossa Senhora das FestasSol Coelho

Deusa dos IncubadosSol Coelho

Guia Espiritual da AndroginiaSol Coelho

Protetora dos InjustiçadosSol Coelho

Nossa Senhora Protetora das EsquinasSol Coelho