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Edição de Moda 2014

Scally Lads São Gays Britânicos que Curtem Cheirar Meias Fedidas e Transar Usando Conjuntos Esportivos

Calça esportiva com a barra enfiada nas meias brancas, tênis, boné, capuz e correntes douradas são erotizados por estes fetichistas.

Fotos do site Trackies, “o lugar para quem ama conjuntos esportivos, tênis e acessórios scally”. Todas as imagens por Picsbygaz.com, cortesia de Trackies.com. 

Lá no fundo das entranhas da cena de fetiche gay, a classe trabalhadora britânica e seus looks esportidos se tornaram objetos de fascinação sexual. Calça esportiva com a barra enfiada nas meias brancas, tênis, boné, capuz e correntes douradas são erotizados pelos fetichistas de scally.

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Sites como SketBoy.com e SneakerSex.net mostram esses caras transando e gozando nos tênis um do outro. A produtora gay Triga Films faz vídeos pornô com títulos como Dads 'n' Lads: Council Housee Job Seeker's Allowance: Extra Benefits, e a UK Scally Lads tem uma loja online que vende acessórios esportivos manchados de porra. E eles têm sites de encontros também. As fotos nos perfis dos usuários dos sites FitLads.net e Trackies.com parecem saídas dos aquivos da Força-Tarefa de Comportamento Antissocial da polícia de Merseyside. Caras de cabeça raspada fazem careta para a câmera, com acessórios como latinhas de cerveja e bull terriers Staffordshire.

Assim como os motoqueiros de jaqueta de couro e os skinheads lambedores de botas das décadas passadas, o fetichismo scally perpetua um ciclo antigo de apropriação da estética da classe trabalhadora dentro da cena gay. Fundador do Trackies.com e da maior rede de fetiche gay da internet, Recon, Phil Hamill vê isso como um passo natural no processo de evolução cultural.

“O fetiche gay sempre casa com a cultura de rua da geração anterior”, ele me disse dentro de seu escritório em East London. “Os garotos gays assistem a essas culturas se desenvolvendo ao redor deles em seus anos de formação. Conforme eles envelhecem, eles começam a usar essas roupas, sexualizar isso, e isso se torna um fetiche.”

Esse fetiche, em particular, teria saído da cena happy hardcore da área da Grande Manchester no final dos anos 90. Embora o termo “scally” seja usado na região para denotar jovens pobres com propensão à violência e ao comportamento criminoso, a maioria dos fetichistas com quem falei associa o termo a essa cena e era específicas. Não está claro quando isso fez o cruzamento para a cena de fetiche, mas a maioria dos sites que mencionei apareceu na internet três ou quatro anos atrás – exceto pela FitLads, online desde 2003, e pela Triga Films, que vem filmando orgias de pedreiros bombados desde 1997.

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Apesar de ser um nicho muito particular, essa não é uma estetização isolada e confinada às margens do underground gay do Reino Unido. Isso também é popular na França, onde há competições de “Mister Sportswear” do ano, e conta com seguidores consideráveis na Holanda, Alemanha e Itália. A Ladz, uma festa de fetiche de sportswear bimestral em Amsterdã, atrai regularmente de 400 a 500 convidados, e a página do Facebook da Trackies tem mais de 22 mil likes. Para colocar em perspectiva, isso é quase um terço do que o aplicativo Grindr tem.

Passar pelos perfis do Trackies parece muito com o ato de se folhear um catálogo da JD Sports. As fotos focam nas virilhas das calças, e caras de capuz sem camisa se esticam em frente às webcams como pôsteres de revistas de academia. Fetichistas de scally se preocupam com a marca que compram e como vesti-la; a maioria afirmou que não importa quanto um cara seja gostoso: escolher mal o tênis pode fazer a diferença entre uma transa e uma punheta solitária em casa.

A aparência molhada dos conjuntos esportivos de nylon lembra aqueles trajes de vinil dos escravos sexuais. Fetichistas são visuais; então, o logotipo das marcas tem um apelo particular. Modelos de tênis caros são reverenciados pelos scallies héteros. Assim como as joias enormes e carros pimpados dos clipes de rap, essa exclusividade faz ressoar o machismo da classe trabalhadora, explica Alex Taylor, diretor de publicidade do Trackies. “Sou de Manchester e sempre estudei com scallies. Para eles, aquilo era símbolo de status, geralmente representado pelos tênis. Por isso, os Rockports eram tão populares, porque eram o calçado mais caro que você podia usar na escola.” Apesar de estarem interligadas pela internet, as várias cenas scally da Europa se desenvolveram organicamente, e cada uma tem seus costumes locais.

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A moda tem um significado especial para os gays, porque também funciona como um sistema sinalizador. Nos anos 70 e 80, o código dos lenços ajudava a diferenciar ativos de passivos, além de identificar aqueles com taras similares às suas. Na Grã-Bretanha, conjuntos esportivos são tão comuns quanto calças jeans; então, os fetichistas de scally se destacam, fazendo uma curadoria meticulosa de sua imagem. “Na cena gay, pegamos um visual e o refinamos”, explicou Alex. “Um cara tem de ter o tênis certo, e a barra da calça precisa estar enfiada nas meias. Tem de ser algo muito mais óbvio. Há um esforço mais concentrado para que o visual se destaque, se diferencie do visual do cara normal de conjunto habitacional. Você quer mostrar para os outros caras que você curte isso e que isso é algo que te excita.”

O prazer sexual de muita gente deriva de atos físicos, como anilingus ou asfixia, mas os fetichistas tiram gratificação erótica das roupas. “Se vou transar, é com a roupa completa. Nem abaixo as calças até o joelho”, relatou Phil. “Se alguém fica nu, acabou pra mim. Hora de assistir a X Factor.”

“Gosto de ficar vestido enquanto me masturbo”, contou Niall, um cara que encontrei no Trackies e que pediu para ter o nome mudado. “Vou gozar no conjunto, dentro ou em cima dele, tanto quando estou sozinho como quando estou com alguém.” Lamber tênis e meias é algo generalizado, enquanto o “trampling” – onde a pessoa se deita no chão e se oferece como capacho humano – é popular na Alemanha.

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Como o combo conjunto esportivo e tênis é muito comum, os fetichistas de scally encontram dezenas de picas inatingíveis todos os dias. Consequentemente, para alguns deles, a roupa se torna uma proxy para as transas que eles não podem ter. “Você pode querer ficar com certos tipos que nunca ficariam com você”, frisou Niall. “Você vê esse cara usando alguma coisa, e, se você compra o mesmo produto, é quase como ter um pedaço dele capturado numa peça de roupa.”

Mas fetichistas de scally não se contentam apenas com idas a lojas de calçados. Se você é hétero, um cheiro estranho no quarto geralmente é sinal de que algo vai indo mal, mas para os scallies gays isso pode ser uma fonte adicional de excitação. O Trackies está cheio de fotos de caras chafurdando em tênis como porcos na lavagem. Um cara que me abordou pelo site queria que eu não tomasse banho por uma semana antes de nos encontrarmos, dizendo que adorava “meias fedidas” e um “pau queijento”, porque isso é “masculino pra caralho, o cheiro de um homem de verdade”.

Essa obsessão com ser um “homem de verdade” se mostrou recorrente enquanto eu pesquisava o tema. Em última análise, conscientemente ou não, o fetichismo scally é uma fixação pela masculinidade. Um fetiche se desenvolve quando qualidades inerentemente humanas sexualmente excitantes se tornam associadas a um objeto inanimado. No caso do sportswear, essa qualidade é a postura machista e violenta da masculinidade heteronormativa dos scallies que usam essas roupas. “Um terno não funciona para mim. Não considero isso masculino”, destacou Phil. “Acho que fiquei atraído por essa coisa de roupas esportivas quando comecei a ver caras realmente masculinos usando isso.”

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Quase todos com quem falei ecoaram esse sentimento. A maioria rastreia as origens desse fetiche nos anos formativos, quando eles começaram a associar as pessoas por quem eles se sentiam atraídos com as roupas que eles usavam. “Na escola, meus amigos eram caras assim – que gostavam de futebol, de fumar e de garotas. Eu sabia que eu gostava de homens, e esses caras eram meu ponto de referência”, disse Lee (que também teve o nome mudado), outro fetichista com quem falei pelo Trackies. “Quando você é de uma certa origem, você usa esse tipo de roupa. Quando comecei a andar com caras, percebi que as roupas que eles usavam também me excitavam.”

Talvez isso explique um pouco o apelo duradouro da subcultura trabalhadora para os fetichistas gays. Da mesma maneira que roupas se tornam associadas à masculinidade, parece que isso também acontece com a classe social.

“Há uma fusão de masculinidade trabalhadora e autenticidade. Homens trabalhadores são, de alguma forma, mais autênticos”, explica Murray Healy, autor do livro de 1996 Gay Skins: Class, Masculinity and Queer Appropriation, uma das primeiras investigações da cena skinhead gay. “Eles não foram processados pela cultura; eles são indomados, como os 'homens de verdade' devem ser.” Ironicamente, apesar da semelhança com o elenco de Shameless, poucos caras que entrevistei se encaixam no perfil socioeconômico de um scally ou “chav”. De homens de negócio de sucesso como Phil Hamill a garotos de escola pública e um arquiteto, todo mundo estava mais para classe média. Um dos caras disse que era de “uma área não muito boa”, mas, de acordo com Phil, só cerca de 20% deles tiveram uma origem desfavorecida.

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“É como um drag, mas no outro final do espectro”, disse Phil. “Muitos caras nessa cena têm trabalhos normais, num escritório ou num bar: eles não vendem drogas num apartamento de um conjunto habitacional. Então, é uma forma de alívio. É interpretação, fingir ser algo diferente do que você é.”

Como tudo é interpretação, muita coerência é necessária para se manter a coisa genuína. “Você acha esse cara no Trackies, e ele é bonito, ele tem as roupas”, pontuou Alex, “mas aí você vê onde ele está: num quarto com carpete rosa e lençol florido. Aí eu já penso: 'Ah, o nome dele, na verdade, é Jonathan e ele é um contador de Surrey'. Isso estraga toda a fantasia. Você também não pode ser muito velho. Caras de 40, 50 anos não se encaixam mais na demografia scally e geralmente não entendem a cultura por trás disso; então, você sempre vê esses caras usando a roupa errada. Ah, e gente gorda de roupa esportiva? A ironia é terrível…”

Essa coerência não para simplesmente na aparência física; isso se estende ao sexo também. “Nunca vou querer transar numa cama”, disse Lee. “Isso é muito normal; é papai-mamãe, baunilha. Gosto de encontrar um cara num pub, tomar algumas cervejas e depois transar no banheiro. Conheço caras que não transam – eles só batem punheta juntos, porque acham que é isso que os scallies héteros fariam.”

“Hétero” é uma palavra que você vê muito nos perfis do Trackies. Todo mundo parece estar procurando pelo arquétipo do garoto hétero; fico imaginando se o uso extensivo de CAPS e a ortografia tosca não são só fachada, apenas tentativas superficiais de se encaixar em esteriótipos grosseiros.

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Em alguns casos, essa obsessão com a heterossexualidade e o medo de efeminação são tão extremos que carregam um tom de homofobia. Um cara, que se recusou a falar comigo, dizia em seu perfil: “Odeio aquelas bichas de calça justa e glitter na cara. Gosto de caras que são caras – e posso ser passivo, mas não sou uma subvadia”. Mesmo Lee, que garantiu estar bem com sua sexualidade, admitiu: “Os caras que eu encontrava antes no FitLads.net eram caras normais, mas agora isso virou o Gaydar, cheio de bichas do Soho”.

Pode parecer psicologia de boteco, mas é impossível não assumir que essa hipermasculinidade forçada vem de um sentimento de inadequação. “Se um fetiche é sobre ser mais durão e agressivo que os outros; então, isso é uma fetichização da masculinidade”, explica Murray. “Acho que esse investimento todo em símbolos masculinos é uma reação histérica para afastar acusações de efeminação ou de não ser macho o suficiente.”

A ironia é que, apesar de todo o discurso de virilidade Cro-Magnon, a maioria dos membros desses sites se declara passivo. Phil coloca o número em 65%, mas minha própria pesquisa sugeriu bem mais. Pornografia scally é altamente violenta e degradante, e o Trakies está cheio de pedidos por uma pessoa dominante. Durante minha filiação de um mês, fui inundado com pedidos de espancamento, estupro e até sequestro. Friamente, um cara disse que eu podia fazer o que quisesse com ele, “desde que eu sobreviva”. A maioria era inarticulada demais para entreter, mas dois caras eram muito interessantes e até recompensei um deles postando uma foto de uma meia suja.

O primeiro queria ser amarrado e chutado nas bolas. Perversamente, ele via isso como um processo empoderador em vez de castrador, porque “se você consegue levar um chute no saco sem chorar, é masculino pra caralho”. Ele me perguntava que tênis eu usaria, que tamanho eu calçava e “qual a pior coisa que você já fez com o pau e as bolas de um cara?”. Ele descreveu seus testículos como “caídos”, me dizendo que eu podia usá-los como saco de pancada. O outro me pediu para reunir um grupo de amigos, preferencialmente que não soubessem que a coisa tinha sido arranjada, para atacá-lo num lugar isolado. Enquanto estabelecíamos os parâmetros, ele determinou: “Pode quebrar minhas costelas, mas não meus braços e pernas. Nada de danos permanentes. Quero que você me derrube. Quero sentir você pisando na minha cara com o seu tênis. Pode me deixar lá, destruído. Você já usou facas? Pode trazer uma, mas não me corte muito feio…”

Enquanto eu me aprofundava na raiz de sua fantasia, ele contou que era um garoto quieto na escola e que estava sempre admirando os “caras durões”, cuja “arrogância” lhes dava uma aura de “invencibilidade”. “Eu sabia que nunca seria um cara assim”, ele me relatou, “então, decidi ser o oposto, entrar no círculo deles por baixo, se é que isso faz sentido. Deixar eles fazerem o que quiserem comigo é um grande tesão.”

Quando perguntei por que ele não frequentava um clube de fetiche especializado em dominação, ele insistiu que era hétero e que lugares assim são “cheios de bichas”. Quando apontei que, mesmo não havendo penetração, seu prazer erótico ainda derivava da interação com homens, nossa troca de mensagens parou abruptamente.

É lógico igualar sexo violento e doloroso com submissão e autoflagelação, mas, enquanto eu discutia o trampling com Max Hollman, o organizador da Ladz, a festa de fetiche de sportswear, ele argumentou: “O cara pode começar com trampling, mas terminar fazendo sexo dominante. É difícil explicar isso para um não fetichista, mas a sensação ou o cheiro dos tênis, a sensação das solas contra a sua pele, é muito excitante.”

Prefiro não tirar conclusões pseudopsicológicas sobre a violência e a degradação do fetichismo de scally, porque, se aprendi alguma coisa escrevendo esta história, é que a sexualidade humana é complexa e absolutamente irracional.

Tradução: Marina Schnoor