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Viagens

Vinte milhas náuticas em mar picado

Vocês sabiam que os golfinhos são do mar e não do Oceanário?

Há quem diga que os golfinhos são, além dos humanos, a única espécie que tem prazer no coito. Já sei que depois disto ser publicado, vão aparecer meia dúzia de puristas a chatear-me os cornos por causa das fontes. Mas, neste momento, estou de férias no Algarve e a VICE não me deixa em paz, pelo que estimo que tenham muita comichão no cu e bracinhos curtos demais para se poderem coçar. "Noel, sabes o que era fixe?", perguntaram eles, "era fazeres uma reportagem sobre golfinhos para ver o que os camónes curtem quando cá vêm de férias e depois até podias ir caçar uns tubarões, que é bem giro”, responderam eles. Para lhes fazer a vontade, lá liguei para o meu connect e combinei uma ida de barco para ver a costa natural algarvia e os golfinhos. Desde puto que me impingem a tanga de que os golfinhos são um animal especial, muito dócil e brincalhão. Não digo que não o sejam, mas muitas dessas pessoas só viram golfinhos ou no oceanário, dentro de um aquário gigante onde três ou quatro vezes ao dia lhes vão dar peixinho fresco à boca, ou no Zoomarine a brincar com bolas de borracha ou a atravessar aros metálicos a uma altura de três metros. Meus amigos, no mar não há aros metálicos, nem refeições a horas marcadas. Se quiserem comer têm de ir à pesca! O que vocês viram não foram golfinhos, mas sim macacos de circo com barbatanas. Nicolas e Hugo Modesto são “golfinheiros” assumidos. Não, não é uma piada sexual, mas sim o nome que eles dão ao seu ofício. Hugo Modesto é patrão de alto-mar e, qual hacker na Internet, pode navegar onde quer e por quanto tempo lhe apetecer. Em 2004 abriu, juntamente com Nicolas, a Dolphin Driven, uma empresa que leva turistas e curiosos a visitar uma das faixas costeiras mais ricas do planeta e, com sorte, a observar golfinhos em estado selvagem. VICE: Quem é que procura este tipo de serviços?
Hugo: Nesta altura do ano temos muitos holandeses, pessoas que dão muito valor à natureza. Não sei se te apercebeste, mas a nossa empresa tenta estar ligada ao turismo natural e escolher um nicho de mercado de pessoas sensíveis à natureza, que possam absorver o que se vai ver no nosso passeio. Não é mais uma volta de barco, mas sim um contacto directo com a natureza e com um meio que, para muitos, é completamente inacessível no seu país de origem ou no dia-a-dia. Comigo no semi-rígido (ou "lancha" para os ignorantes) iam os patrões de costa e de alto-mar, Nicolas e Hugo, e duas famílias indianas radicadas em Londres. Gente porreira que só não me pôs a pensar que estava a navegar no Chiado porque não havia flores à venda no barco. Tal como eu imaginava, são os turistas estrangeiros quem mais procura este tipo de experiências. Mas, e pelo que o Hugo diz, parece que as coisas começam a mudar em terras de Aníbal Cavaco Silva. "Começamos a ter cada vez mais pessoas preocupadas com a natureza, com o ecossistema e a biodiversidade. Todas essas coisas que agora se falam muito e se praticam pouco, mas já começamos a ter muitas pessoas sensíveis a esse tipo de turismo.” O que é que tem condicionado uma maior adesão de portugueses?
Falta de divulgação. Acho que as pessoas, e noto isso nos portugueses, quando fazem o nosso passeio, ou outro passeio qualquer aqui pela costa, passam a ter a noção de uma beleza que até então não tinham. Temos muitos casos de pessoas que vieram a primeira vez por acaso e hoje são nossos clientes e todos os anos trazem a família ou amigos. "Última maravilha" ou "paraíso escondido". Descrições vagas, mas desconcertantemente curiosas e que vão muito além de uma simples visita aos golfinhos. Se tiverem um barco para conduzir, uma garrafa de Moët & Chandon, uma cama rotativa sobre um chão de vidro que revela o fundo do mar e se forem parecidos comigo perceberão o que a Região Turismo do Algarve quis dizer. Ter carta de marinheiro é uma vantagem para o engate?
Epá, pode funcionar, pode funcionar! Depende da sensibilidade da rapariga, mas se ela tiver uma visão assim mais virada para o mar, é capaz de ter algum impacto. Ela pode sempre vir a pensar que vai dar uma volta no mar. E, normalmente, como é que essas voltas acabam?
Aqui no Algarve, as voltas acabam sempre bem, porque o mar é calmo e há sempre aquelas praias desertas… Mas se a natureza não vos dotou dessa graça, podem sempre sacar 35 euros e fazer o percurso de lancha desenhado para o comum mortal, que, por um lado, não vos assegura grandes experiências românticas com golfinhos, mas, por outro, permite-vos observar as criaturas no seu estado selvagem. Os preços costumam ser um problema?
Se te disser que o passeio custa 35 euros, assim sem te explicar nada, tu, como português e com o estado do país e da economia, podes achar caro e pensar que isto é só mesmo para estrangeiros. Mas não. Montar a empresa e esta coisa toda tem custos. Os barcos são caros, o combustível está cada vez mais caro, o aluguer da marina é caríssimo e a sazonalidade é uma condicionante muito grande para nós. Ali o gajo do café vende mais de Verão, mas de Inverno ainda vende alguma coisa. Nós fechamos. E os custos continuam.
Exactamente. Os custos são fixos e levam a que tenhamos de praticar um preço que nós achamos justo. Por entre as praias e grutas por que passámos, fica a Praia de São Rafael, aqui há uns tempos distinguida como uma das 20 melhores a nível mundial, e a Praia da Marinha, que também já integrou a lista das 100 melhores praias. Bem, quanto aos golfinhos, ah pois, os golfinhos… O cepticismo era algum, é certo. Mas Nicolas, qual profeta do mar, explicou-me uma técnica quase infalível para os encontrar: em vez de se fecharem em copas, as várias empresas que saem da marina de Albufeira em busca dos golfinhos, usam a comunicação como factor chave para o sucesso das expedições. “Saem vários barcos da marina e, quando algum deles encontra um grupo de golfinhos, comunica via rádio. O objectivo é que o máximo de clientes que sai da marina fique satisfeito”, disse Nicolas. E foi o que aconteceu nesta excursão. Uns vinte minutos depois de nos afastarmos da costa, perto do Farol de Alfanzina, fomos notificados de um spot onde estava um grupo de golfinhos. Aproximámo-nos do local onde já se encontravam duas lanchas e observámos os ditos cujos. Tal como suspeitava, estes não atravessavam aros metálicos, mas lá davam aqueles saltos e mergulhos em grupo, a fazer lembrar uma qualquer aula de hidroginástica sincronizada. Quanto àquela cena das sensações especiais e das sondas que emitem e que quase fazem os cegos virem-se, tenho a dizer que é tudo tanga. A única sensação especial que senti foi a minha cabeça a bater num banco metálico enquanto os tentava fotografar (graças à ondulação que se fazia sentir). Em vez de interagir com um dócil mamífero, fiquei com um imponente galináceo na cabeça e imóvel durante dois minutos. Ainda assim, foi uma experiência para mais tarde recordar. Mas fica o aviso: se decidirem ir ver golfinhos num semi-rígido, levem sempre um capacete ou então não andem em pé feitos parvos com uma máquina de 1500 euros na mão. Nesta altura do artigo, já haverá pessoal a pensar que isto é perigoso e que pode acontecer alguma coisa menos feliz, mas descansem! No mar somos todos amigos e o Hugo Modesto tem a solução. Hugo: Hoje em dia é muito mais simples do que há uns anos. No Verão há sempre alguém que passa e que pode trazer os clientes para terra e desenrasca-se a cena. A primeira coisa a fazer quando se tem um problema é ancorar o barco: com o barco ancorado não andas ao sabor da maré ou do vento, estás seguro. Bons conselhos para quem não é lobo-do-mar. E por falar nisso, já pensaram no quão estúpida é essa denominação? Como toda a gente sabe, no mar só existem lobos-marinhos e não acredito que tenham skills para enfrentar um cachalote, daí a minha incompreensão por este tipo de coisas. Já o Platão tinha tretas do estilo: “há três tipos de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar”. Em vez de começar a mandar disparos sobre o obscuro significado desta afirmação, perguntei ao Hugo o que é que ele tinha a dizer sobre isto. Hugo: É uma máxima nossa. Para mim faz todo o sentido. Se calhar para ti, hoje, com aquilo que viste e com a experiência que tiveste, também vai começar a fazer mais sentido. São pessoas que todos os dias enfrentam uma das maiores forças da natureza, o mar, e é isso que as torna diferentes. Isso modifica a vossa maneira de pensar? Como passam muito tempo no mar, devem ter muito tempo para pensar.
Exactamente. E o mar nunca é igual. Todos os dias é diferente. Ou a vaga é dali, ou o vento está levante ou há uma determinada ondulação. Vamos concentrados, mas também pensamos noutras coisas. O mar é uma espécie de espelho da consciência?
Sim, uma das visões pode ser essa. Temos outra que diz que as pessoas que andam no mar ficam mais agressivas, menos dialogantes, mais introvertidas. Aí poderá ser mais ligado à pesca, porque têm de enfrentar o mar em condições mais adversas e mais solitárias. Nicolas e Hugo Modesto. As coisas começaram a fazer sentido na minha cabeça dorida. O mar é um sítio perigoso, onde há muitos desafios. Por experiência própria, pude perceber o quão difícil pode ser manter o equilíbrio numa lancha e as consequências que daí resultam. Percebi que o mar é uma escola de pensadores e, no entanto, será sempre de questionar o impacto dos pequenos acidentes na sua forma de pensar. Com a missão cumprida e o dia a terminar, era altura de voltar para terra. Lá ao longe, víamos a costa que se aproximava, mas sempre aos solavancos. Experimentem navegar a 20 nós num mar picado. Já em terra firme, era altura de perceber se o preço justo de que o Hugo falava era assim tão justo. Para isso falei com Mokesh e Kamlesh, os dois chefes de família que me acompanharam nesta trip. Achaste o passeio caro?
Mokesh: Acho o preço justo. Pelo tempo que estivemos no mar, quase três horas, e depois as crianças divertiram-se muito e isso é que importa. Para além disso, é preciso ver que a observação de golfinhos não é garantida, mas nós tivemos sorte. Mokesh e Kamlesh estavam satisfeitos. Foi a sua primeira vez em Portugal e, de volta a Londres, levam boas recordações naturalistas e um considerável escaldão.