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Eu Quase Explodi no Afeganistão

Ben Anderson, o cara por trás dos shows Inside Afghanistan e Obama's War da VBS nos mandou um email hoje sobre o João Silva, um grande fotógrafo que perdeu suas duas pernas ano passado enquanto acompanhava patrulhas de tropas americanas no sul do...

Ben Anderson, o cara por trás dos shows Inside Afghanistan e Obama’s War da VBS nos mandou um email hoje sobre o João Silva, um grande fotógrafo que perdeu suas duas pernas ano passado enquanto acompanhava patrulhas de tropas americanas no sul do Afeganistão. Nós batemos um papo com ele sobre seu próprio quase acidente recente e sobre o João.

Vice: Então Ben, onde você estava quando quase explodiu mês passado?
Ben Anderson: Estávamos em Sangin, que é o distrito mais violento da província mais violenta do Afeganistão, a Helmand.

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OK, e que os britânicos evacuaram agora, certo?
Sim, eles cederam a área ao exército americano, e era essa a história que eu estava cobrindo. Fiquei lá por três semanas com uma unidade chamada Three Five Marines antes de voltar há uma semana.

Você estava filmando um novo programa?
Sim, foi pro Panorama, que vai sair logo mais.

Você esteve muito perto de ser explodido – o que aconteceu no dia em questão?
Uma coisa bem comum no Afeganistão são as bombas caseiras do Talibã. Nós estávamos na área onde os britânicos tinham acabado de tirar todas as bombas caseiras e o Talibã, e eles montaram três bases em uma estrada principal pra manter as coisas sobre controle. Quando os americanos entraram, os britânicos abandonaram as bases, deixando a área à mercê dos talibãs e suas bombas de novo.

Então como os soldados cuidaram disso?
Eles decidiram que não dava pra conquistar a área apenas indo de prédio em prédio a pé. Em vez disso, eles usaram uma tática mais pesada, com tratores e veículos pesados que, seja lá como vocês os chama, funcionam como tanques. Eles forçaram o caminho com eles pela estrada e cavaram qualquer bomba que estivesse ali, enquanto os soldados iam a pé na beira da estrada, evitando rotas óbvias quando era possível. Então eles passavam pelos prédios ou fazendo buracos nas paredes ou pelo telhado mesmo.

OK, então os tratores e os tanques entraram primeiro e então você os seguiu?
Normalmente imaginamos que é assim que funciona, mas estranhamente os soldados na beira da estrada estavam mais à frente do que os tanques, então eles eram os primeiros a liberar os prédios e literalmente criavam caminhos que antes não existiam, através das paredes. Se eles passavam por uma rota muito óbvia, era certeza que eles seriam bombardeados. Então nós andamos calmamente a pé, ocasionalmente cavando com nossas mãos e facas, checando se havia bombas. No primeiro prédio em que entramos, nós achamos uma bomba caseira no telhado, onde normalmente é o único lugar que eles supõem estar seguro. Logo depois que descobrimos isso, nós fomos forçado a pegar um caminho que era a típica rota que queríamos evitar. Era num ponto onde várias ruas pequenas se encontravam, e sempre que houver uma pequena ponte em cima de um riacho ou uma ruela entre prédios, é quase certeza que você vai encontrar bombas caseiras.

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Várias bombas caseiras que os soldados encontraram e que foram ligadas para uma explosão controlada

Tipo pontos de encontro ou espaços apertados, esse tipo de coisa?
Eles chamam de pontos de afunilamento, mas é isso aí. Eles queriam evitar essas áreas, mas tínhamos que percorrer esse lugar, porque não havia maneira de continuar pelos telhados. Tínhamos que continuar em frente. Eles checaram toda a área com detectores de metal, mas não acharam nada. Acontece que eles não acharam nada porque a maioria do metal em uma bomba caseira está na fonte de energia – a bateria faz com que ela possa ser detonada. Nesse ponto de afunilamento descobrimos sete bombas, mas elas estavam todas conectadas e ligadas a um fio de comando, ou seja, elas eram detonadas por um cara no final desse fio, que é onde estava a bateria. Ninguém sabia disso, mas estávamos andando em cima dessas bombas que estavam ligadas de uma forma que eles chamam de “corrente de flores”, enquanto outra pessoa estava nos observando de uma distância segura.

Eu estava bem na frente da tropa. Me lembro de pensar pra mim mesmo que não deveria estar ali – tinha prometido pra mim mesmo que pegaria leve nessa. Por sorte, tinha me esquecido disso e estava a frente de todo mundo. Seja lá quem estivesse observando à distância, estava basicamente esperando pra que mais soldados preenchessem a área perto das bombas, e foi então que o cara detonou. Então elas estouraram atrás de mim e quatro soldados que formavam o centro da tropa foram atingidos. Foi uma sorte incrível os soldados atingidos estarem entre as bombas, e não bem em cima delas.

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Então não houve fatalidades?
Não. Tivemos três concussões sérias e um cara ficou temporariamente cego e surdo, mas se recuperou uns dias depois. Qualquer pessoa com uma concussão severa tem que passar um mês em observação na base, então eles foram pra lá. Os explosivos nas bombas caseiras eram suficientes para matá-los ou dilacerar suas pernas.

Então isso foi no final da sua estadia lá?
Fiquei mais quatro dias. Eles estavam numa operação chamada “Dark Horse Two”, que eram os soldados reconquistando a área que haviam abandonado quando chegaram lá pela primeira vez. Quando saí do país, já haviam retomado. Esses soldados especiais tendem a fazer uma jornada mais intensa. Eles fazem seis meses de atividades, enquanto que o exército comum faz 12. A unidade Three Five Marine estava lá por dois meses e meio quando eu cheguei, mas até aquele ponto eles já haviam perdido 26 pessoas e tinham mais de 100 machucados. Acho que não existe nenhuma tropa britânica que perdeu tanta gente em seis meses. É um número chocantemente alto.

João Silva

OK, e a outra razão pela qual estamos conversando com você é, obviamente, sobre o João Silva. Ele estava no Afeganistão, não estava?
Sim, ele estava em Kandahar, que fazia parte da viagem antes dessa, que faz parte do mesmo projeto, e estávamos os dois na base aérea da cidade. Estávamos entediados e achávamos que estavam mantendo a gente longe das verdadeiras notícias. Queríamos chegar até os soldados e Helmand. Naquela mesma viagem ele entrou em um prédio, atrás de um cara com um cão farejador e outro com um detector de metais, e de alguma forma ele não viu um botão no chão e pisou nele, perdendo as duas pernas na altura do joelho. Ele teve uma infecção na parte de baixo do corpo e ficou na UTI por seis semanas. O João é um dos mais experientes e corajosos fotógrafos de guerra do mundo. Um dos mais queridos e respeitados fotógrafos, e um dos caras mais experientes mesmo, então isso realmente chocou a todos – se pode acontecer com ele, pode acontecer com qualquer um.

Se você gosta das fotos do João, então pode comprar uma delas e ajudá-lo em sua recuperação. Pra mais informações, clique aqui. E esse foi o post que vale a pena ler do dia. Voltemos às mp3s e às piadas de sexo.

TEXTO POR BRUNO BAYLEY VICE UK
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR