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Μodă

Boom Bye-Bye Para o Cáqui: Você Está um Arraso!

Em algum momento na última década, os seguidores desse gênero absolutamente homofóbico começaram a usar roupas justas, blazers bordados, pôr piercing nos mamilos e clarear a pele.

Dez anos atrás, a moda do dancehall jamaicano girava em torno de Sizzla vestido de cáqui da cabeça aos pés, bandeiras do imperador Haile Selassie e turbantes. Também fazia parte do estilo ser negro e não ser gay. Em algum momento na última década, os seguidores desse gênero absolutamente homofóbico começaram a usar roupas justas, blazers bordados, pôr piercing nos mamilos e clarear a pele. Donna Hope, orientadora de estudos avançados sobre reggae na Universidade das Índias Ocidentais em Kingston, sabe mais a respeito dessas mudanças na moda do dancehall do que qualquer outra pessoa no mundo. Ela acaba de escrever um livro chamadoMan Vibes: Masculinities in Jamaican Dancehall, um estudo minucioso sobre a linha de raciocínio que influi o comportamento dos astros do dancehall interessados em moda. Vamos entender melhor tudo isso. Vice: Então quer dizer que os astros do dancehall estão fazendo clareamento de pele e se vestindo como os gays que eles tanto temeram a vida inteira?
Donna Hope:A partir da virada do milênio, começamos a ver a moda da cena dancehall se transformar de uma coisa convictamente masculina em algo mais extravagante. Hoje em dia os artistas e os fãs do dancehall são muito mais seguros de si e prestam mais atenção na maneira como se vestem. Eles se preocupam mais com alguma coisa em particular?
Eles fazem questão de que suas trancinhas estejam impecáveis, por exemplo. Alguns começaram a modelar as sobrancelhas com diferentes padrões e a usar roupas que, pouco tempo atrás, provavelmente seriam consideradas gays. O rosa-bebê e os tons de pêssego se tornaram bastante populares, assim como camisas superestampadas e calças justas. Tradicionalmente essas coisas jamais fariam parte do visual de um sujeito machão. Os sapatos muitas vezes têm a mesma cor da camisa, como roxo ou laranja, e joias bem chamativas acompanham esse visual. Os piercings e as tatuagens também estão bem em alta entre os homens do dancehall. Isso se distancia bastante de como a sociedade esperava que os homens da classe trabalhadora jamaicana se vestissem. De onde veio esse estilo glamouroso e um tanto afeminado?
O diálogo se deu mais entre o dancehall e as grifes francesas e a “alta costura” do que com algum outro gênero de black music. É uma influência mais europeia. Tem muito a ver com o fato de a pessoa querer transcender sua localização física e provar que é capaz de não fazer feio em uma passarela da Europa. Como esse estilo convive com a homofobia do dancehall? Como é a aceitação de um astro da cena com piercing no umbigo e calça justinha?
São essas rupturas potenciais no discurso que fazem do dancehall algo tão especial. O dancehall ganhou muita notoriedade por suas críticas extremadas e explícitas à homossexualidade masculina. Mas, ao mesmo tempo, as recentes mudanças no visual do dancehall se valem de elementos que têm apelo para os gays. Da perspectiva do meu próprio trabalho, não se trata exatamente de uma ruptura, porque projeta o mesmo tipo de dualidade que encontramos em todos os demais aspectos do dancehall. Acho que não entendi muito bem.
Os homens podem continuar sendo machões e ao mesmo tempo se valerem de influências que não são consideradas tão masculinas. Um sujeito machão que anda por aí com uma camiseta em tom pastel, uma calça laranja e um penteado muito mais elaborado que o da mulher ao lado dele, além de piercings e joias ostentativas, pode continuar sendo machão pelo jeito como se comporta. O que importa é a atitude, o jeito de falar, de andar, o aspecto mal-encarado – a combinação de todos esses elementos apresenta uma imagem bastante contraditória para quem observa de fora. Isso também me levou a questionar o rumo que o conceito de masculinidade do povo jamaicano está tomando. Então na prática tudo se resume à velha máxima “se você é macho o bastante para se vestir como um gay então deve ser macho de verdade”?
Bom, é preciso dizer que nem todo mundo da cena do dancehall está se vestindo assim, mas está havendo um aumento significativo de pessoas com esse visual. Além disso, os dançarinos vêm assumindo um papel cada vez mais importante na cultura do dancehall.

Quais são os músicos que estão encabeçando essa mudança?
Vybz Kartel no momento é um dos maiores nomes do dancehall, e está fazendo de tudo para se apresentar dessa maneira – com piercings, tatuagens e com a pele mais clara. Isso vem acontecendo desde o final dos anos 90. O Elephant Man, quando fazia parte do grupo Scare Dem Crew, tinha uma música chamada “Bad Man Nuh Dress Like Girl” cuja letra dizia que não furavam o nariz, não clareavam a pele e não usavam trancinhas. Mas ele mesmo começou a fazer tudo isso. Vybz Kartel é um exemplo dessa mudança, e foi em parte seu figurino que atraiu tanta atenção para ele e o tornou tão popular. Você mencionou a questão do clareamento de pele, e Vybz Kartel é uma das figuras centrais dessa polêmica. Em um gênero tão intimamente ligado ao orgulho racial, só posso deduzir que o fato de os astros do dancehall estarem clareando a pele seja tão controverso quanto o figurino afeminado, se não mais.
A questão do clareamento de pele foi levada a público por artistas como Vybz Kartel, que estão admitindo publicamente que fazem isso e, de certa forma, sugerindo que é uma coisa boa a se fazer. Vybz Kartel é um defensor do uso daquilo que na Jamaica se chama cake soap, um tipo de sabão usado, principalmente pelos mais pobres, para lavar a roupa. É um sabão bem rústico, cortado em barras e vendido bem barato, e a versão azul acabou sendo imortalizada por Vybz Kartel, porque ele sugeriu que a pele dele está como está porque ele a lava com cake soap azul. O que o público tem a dizer sobre essa tendência?
Tem havido muita discussão a respeito, e é um tema que abordei alguns anos atrás na minha pesquisa – o fato de os homens terem começado a clarear a pele, algo que antes era visto como um hábito restrito às mulheres. Já sabíamos que as mulheres clareavam a pele com todo tipo de produtos para esconder manchas e coisas do tipo. No meio do dancehall, não muito tempo atrás isso pareceria uma coisa muito, muito distante da realidade de qualquer homem, mas agora isso é bem popular entre eles. Então, sabão barato e clareadores não são tão terríveis?
As pessoas usam os produtos mais variados para fazer isso, de alvejantes caseiros a sabões comprados no mercado informal que contêm produtos químicos fortes demais para a pele. Existem também outros produtos, como o fubá e o curry em pó, um tempero que é aplicado na pele na forma de pasta. E, quando você pergunta às pessoas por que fazem isso, elas dão sempre respostas previsíveis: está todo mundo fazendo, é uma forma de ficar mais atraente, é uma forma de se destacar dos demais etc. Isso tudo acaba diminuindo a homofobia extrema que existe dentro do gênero?
O dancehall é muito ligado ao que os homens fazem, e o resultado é que todos têm uma opinião muito forte sobre qualquer ato que transgrida aquilo que os homens supostamente deveriam fazer ou que seja associado à masculinidade tradicional. No que diz respeito à homossexualidade, tem havido uma diminuição no número de letras no estilo “mata, arrasa e dá um fim”. Apesar de ainda existirem versões mais amenas da mesma mensagem. Mas não podemos esquecer que esse ressentimento em relação às transgressões da masculinidade não surgiu no dancehall, mas no escopo mais amplo da cultura jamaicana e nas percepções tradicionais de gênero e cultura que foram assimiladas e endurecidas pelo dancehall e essas letras cheias de hostilidade. E isso é percebido pelos não-jamaicanos que ouvem esse tipo de música?
A reação recente a esse tipo de letra fora da Jamaica resultou em uma sutileza ainda maior – seria preciso entender letras de uma natureza bastante distorcida e metafórica para saber que é a homossexualidade masculina que está sendo discutida. Então o pessoal está usando recursos de linguagem para transmitir coisas que não são assim tão óbvias.
Sim, a forma como essas letras são usadas está mudando. Hoje existe uma porção de letras que citam Vybz Kartel, ele é uma referência, é a figura que todos amam odiar, e também há letras sobre a nossa sociedade, aquilo que as pessoas querem que aconteça e por aí vai. É raro ouvir alguém falar de forma explícita sobre a homossexualidade. A crítica direta e extrema à homossexualidade que tanto vimos no início do século XXI se esvaiu como fumaça. Você tem um palpite de qual será o próximo visual?
Bom, as pessoas estão fazendo uma porção de coisas diferentes hoje em dia: cílios postiços, unhas pintadas… Mas é difícil prever o surgimento de um novo estilo dominante. Mas estou de olho no que o Vybz Kartel anda fazendo. Ele está decidido a transgredir todos os códigos de bom comportamento na Jamaica. Quero ver o que ele vai fazer nos próximos 12 meses. Estão circulando boatos de que ele fez um piercing na língua – apesar de os piercings serem mais bem-aceitos, homens com piercing na língua são vistos em geral como alguém que “passou do ponto”, atravessou uma barreira social. Sei!