Falámos com catalães um ano depois das cargas policiais do 1-O
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referendo na Catalunha

Falámos com catalães um ano depois das cargas policiais do 1-O

"Vou sempre lembrar-me daquele dia pela forma como trataram a minha mãe".

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Cumpre-se hoje, 1 de Outubro, um ano da realização do referendo não aprovado pelo governo espanhol, no qual se perguntava aos catalães se queriam que a Catalunha fosse um estado independente em forma de república.

As imagens daquele dia deram a volta ao Mundo devido à violência com que a polícia actuou para evitar, desse por onde desse, aquela votação que o governo espanhol considerava ilegal. Os partidos independentistas catalães alegavam que se tinha tentado negociar de todas as formas possíveis um referendo aprovado, com campanhas a favor e contra a independência da Catalunha, mas que a única resposta que receberam foi um não.

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O Partido Popular, que governava naquele momento, viu a celebração do referendo como uma provocação e enviou 12 mil agentes da Guardia Civil à Catalunha para interceptar as urnas e impedir a votação.

Pero las urnas llegaron a los colegios electorales y sobre las nueve de la mañana empezaron las cargas policiales. El Servicio de Emergencias Médicas registró un total de 844 actuaciones como consecuencia de las intervenciones policiales, unas acciones que han sido investigadas recientemente. Hablamos con catalanes un año después del 1-O para saber qué ha cambiado desde entonces.

Mas, as urnas chegaram aos colégios eleitorais e pelas nove da manhã começaram as cargas policiais. O Serviço de Emergências Médicas registou um total de 844 acções como consequência das intervenções policiais, tendo algumas delas sido recentemente investigadas. Falámos com catalães, um ano depois do 1-O, para saber o que mudou desde então.

Javier, 38 anos

VICE: Lembras-te de onde estavas há um ano?

Javier: Estava em Pineda de Mar, a votar. Não sou independentista, mas estou a favor do direito de decidir. Fui votar porque, ainda que fosse ilegal, naquela dia todos tínhamos que opinar - tanto os que estavam a favor como os que estavam contra.

Qual é o teu sentimento? Catalão? Espanhol? Catalão e espanhol?

Sou de Cuenca e há 10 anos que vivo em Pineda. Tenho sentimento catalão e acho que não nos estão a tratar como deviam. Fazem-se referendos por parvoíces, não percebo porque é que sobre isto não se pode fazer. Chamam-lhe democracia, mas na realidade é representativa. Eu acredito numa democracia mais participativa.

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Em que pensaste quando viste as imagens?

Tive vergonha. Não acho que seja a forma de impedir algo assim. Não foi proporcional, de todo. Acho que realmente é difícil saber quem se regia por ordens para usar o cassetete e quem não. É complicado saber quem fez por mal e quem estava só a seguir o que lhe tinha sido dito.

O que pensas sobre a situação actual?

Melhorou com a mudança do Governo espanhol, mas não muito. Acho que seria bom para toda a gente que os independentistas cedessem um pouco. Aliás, estou convencido que só ter independência económica já seria suficiente para muitos.

Alexandra, 28 anos

VICE: Onde estiveste no 1-O?

Alexandra: Estive em San Juan de Mediona, em cima de um tractor a bloquear a entrada do único colégio eleitoral da terra, para que a policia não pudesse entrar e pudéssemos votar. Lembro-me que alguns de nós tinham walkie-talkies para podermos comunicar caso aparecesse a polícia. Sou independentista, mas, acima de tudo, sou a favor do direito de escolha.

Como se viveu aquele dia no local onde estavas?

Com medo e indignação. A minha sogra, por exemplo, não estava de acordo com que se fizesse a votação, mas no momento em que viu aquelas imagens brutais deu-se conta de que aquilo tinha passado das marcas.

És crítica em relação ao que o movimento independentista tem feito?

Sim, acho que devia haver mais informação sobre o que aconteceria se tivéssemos a independência, saber os pós e os contras, ter uma rota clara e realista. Mas, para mim, o simples facto de ter podido votar já é um passo em frente.

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Mudou alguma coisa num ano?

Não mudou nada. Continuamos sem poder opinar, com presos políticos e com uma situação nada desejável. A única vantagem do que aconteceu é que há muito mais gente indignada e isso favoreceu o independentismo. O Partido Popular acabou por fazer uma campanha tremenda a favor da independência.

Natalia, 67 anos

VICE: O que estava a fazer no dia 1 de Outubro de 2017?

Natalia: Estava em minha casa, em Barcelona. Quando vi as imagens de toda a brutalidade saí e fui ao colégio eleitoral onde teria que votar e fui votar completamente vestida de amarelo. Não era independentista, mas agora sim, sou. Se tivesse entrado a polícia naquele momento tenho a certeza de que me teria posto na primeira fila e acabaria por levar. Sou de sangue quente, vivi o Franquismo de muito perto e estas coisas indignam-me muito.

O que é que sente ainda hoje ao ver as imagens das cargas policiais?

Ainda sinto calafrios. Quando vejo este tipo de gente provoca-me repulsa.

O que é que mudou no seu dia-a-dia desde aquele dia?

Decidi não ir a mais nenhuma terra de Espanha excepto a da minha mãe, em Almería. Há pouco tempo fui lá e calhou num dia em que havia greve da policia para pedir uma subida de salário. Não me contive e encarei um deles. Disse-lhe "que bem que vos correu o de 'por eles', serviu-vos de alguma coisa". O meu marido pegou-me pelo braço e levou-me dali, não queria que me prendessem a mim também.

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O que opina sobre a forma como se fizeram as coisas durante "O Processo"?

Não gosto de muitas coisas que os partidos independentistas têm feito. Acho que muitas vezes só pensam nos seus próprios interesses, não nos das pessoas. Acho que deviam procurar pontos em comum.

Pedro, 24 años

VICE: Onde estavas no dia 1 de Outubro de 2017?

Pedro: Estive a dar voltas pelo bairro da Gràcia, onde vivia. Quando vi as notícias desci para saber o que se estava a passar. Realmente o que vi foram filas enormes de gente à porta dos colégios eleitorais, à espera de exercer o seu direito de voto.

És a favor da independência da Catalunha?

Não. Sou de Melilla e vim para Barcelona estudar. Acho que houve muita manipulação informativa por parte de vários meios de comunicação, muitos não relataram exactamente o que aconteceu e, por isso, houve gente no resto do Estado a posicionar-se tão contra. Os catalães não falaram com violência e a repressão não leva a lado nenhum, por isso sou a favor do direito de escolha.

O que achas que o presidente do Governo espanhol devia ter feito ao chegar a este ponto?

Devia aproximar-se do povo catalão, deixá-lo votar, porque é um direito fundamental e agir em conformidade. Tal como como quando o povo andaluz pediu mais ajudas para a agricultura e lhes foram concedidas, agora também acho que seria bom ouvir.

Que consequências achas que teve tudo isto no panorama internacional?

Para mim, o que se passou causou danos à imagem da Catalunha. Isto é um braço de ferro que não vai levar a lado nenhum. Não vejo o fim do túnel. Agora mesmo trata-se de ver quem é que "a tem maior".

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Alba, 19 años

VICE: Onde estiveste durante o referendo?

Alba: Estive no colégio eleitoral de Mas Casanova, um dos colégios afectados pelas cargas policiais. Sou independentista desde há muitos anos.

Como recordas aquele dia?

Estava dentro do colégio no preciso momento das cargas. Lembro-me que tive muito medo e senti-me impotente. Vou recordar-me sempre daquele dia, pela forma como vi a minha mãe a ser tratada. A mim também, porque sou jovem… Empurraram-nos, usaram força e violência, quando nós apenas tínhamos um boletim de voto na mão. Só queríamos votar.

Como avalias a situação política actual, comparando com a que tínhamos há um ano?

De certa maneira estamos piores. Por um lado, temos presos políticos, a repressão que vivemos, gente que quer voltar a aplicar o artigo 155 e não é uma situação nada favorável à Catalunha.

O que opinas sobre o papel da União Europeia?

A Europa não reagiu como esperávamos. Agora mesmo sinto-me decepcionada. Em nenhuma situação gente que só queria votar devia ter sido tratada com aquela violência, não era merecido e ninguém fez nada para os impedir.

Joel, 28 anos

VICE: Como é que viveste o dia 1 de Outubro do ano passado?

Joel: Num colégio de Barcelona, a defender as urnas. Lembro-me que houve uma carga da polícia e alguém avisou que estavam a vir na nossa direcção. Naquele momento, houve quem quisesse sair do colégio eleitoral. Eu fui um deles. Tive um pouco de medo, suponho que o normal quando vês que um grupo de intervenção anti-motim se aproxima de ti e não respeitam nada nem ninguém.

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Consideras-te independentista?

Sim e não. Apoio o direito de escolha do povo catalão e acho que se tem que fazer um referendo. Em minha casa falamos castelhano, mas percebo porque é que há gente independentista aqui na Catalunha.

O que dirias a quem defende a carga policial?

Quem defende a carga policial é porque não teve ninguém de quem gostasse muito naquela situação. Quando vês um polícia com 100 quilos de músculo a vir em direcção a ti sentes medo. Tu estás ali porque queres o diálogo - eles não.

Mudou alguma coisa desde o ano passado?

Não mudou nada. Aliás, está tudo pior. Afinal, tudo aquilo não serviu para nada. Aquele dia deu-se a pior imagem que se poderia ter dado, porque ao enviar tanta polícia para impedir um referendo que era ilegal só acabou por legitimá-lo.


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