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Música

O Hardcore Tailandês Está na Mira da Polícia

Em Banguecoque é ilegal criticar o governo, mas isso não impede bandas como a Blood Soaked Street of Social Decay de existirem.

O fedor da corrupção política em Banguecoque é tão forte quanto seus becos cheios do mijo de gente que vai lá para tirar anos sabáticos. Há algumas semanas, manifestantes anti-governo estão tentando derrubar o primeiro ministro Yingluck Shinawatra em protestos enormes e cada vez mais violentos. Esses protestos começaram depois da tentativa frustrada de aprovar uma lei de anistia que poderia ter trazido Thaksin Shinawatra -- ex-primeiro ministro, irmão de Yingluck e ex-dono do Manchester City -- de volta à sua terra natal sem ser preso por um crime de corrupção.

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Na semana passada, o governo declarou estado de emergência de 60 dias, o que dá às autoridades o poder de banir aglomerações públicas de mais de cinco pessoas, censurar jornais locais e deter suspeitos por 30 dias sem acusações.

O escritor e punk nas horas vagas, Tom Vater, mora em Banguecoque há dez anos. Ele claramente ainda tem algum espírito britânico sobrando, porque quando o peço pra descrever os atuais ânimos da capital, sua primeira resposta é falar sobre o tempo “maravilhoso” que estava fazendo ultimamente.

Mas ele segue adiante e me faz um resumo do clima político. “Essencialmente, temos duas elites -- a antiga realeza e o clã Shinawatra -- que lutam entre si pelas fatias culturais e econômicas do bolo. Muitos dos jovens estão frustrados porque não têm oportunidades econômicas ou educacionais e estão estagnados em trabalhos mal pagos e degradantes, e a política tailandesa é basicamente um jogo feudal medieval com nenhuma intervenção da juventude ou membros culturais da sociedade civil. Há um risco real das coisas irem abaixo como no caso das Filipinas, já que ambas as elites políticas e os vários grupos e indivíduos que os apoiam são extremamente polarizados e aparentemente incapazes de reforma ou meio-termo”.

A corrupção policial é um problema assombroso na Tailândia, posicionado pela Transparência Internacional -- o príncipal índice de corrupção do mundo -- ao lado de países como Argentina, Bolívia e Panamá como uma das economias mais corruptas do mundo. O Relatório Mundial de Direitos Humanos de 2014, que foi publicado na semana passada, explica que a liberdade de expressão na Tailândia ainda é abominavelmente limitada.

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Desde o golpe militar de 2006, criticar a monarquia é ofensa passível de cadeia. Em 2011, a ativista Daranee Charnchoengsilpakul foi sentenciada a 15 anos de prisão por insultar o rei em um comício. Em 2012, Amphon Tangnoppaku, 61, morreu na prisão enquanto cumpria uma sentença de 20 anos. Seu crime foi mandar quatro mensagens de texto criticando a rainha a um oficial do governo. Basicamente, você não pode maldizer alguém mais rico que você na Tailândia.

E mesmo com essa censura do governo à liberdade de expressão, há uma pequena porém ávida cena punk em Banguecoque. A única gravadora de punk e hardcore, Holding On Records, é comandada por um cara chamado Gap, que é também o vocalista da primeira banda straight edge do país, X on the Hand. Ele já está habituado às sujidades da Polícia Real tailandesa. “Eu estava fazendo um show quando a polícia veio e disse que todos no local tinham menos de 18 anos. Disseram que se pagássemos 600 dólares poderíamos continuar com o show. Babaquice do caralho.”

No reino, o K-pop é estrondoso e a maioria dos jovens tailandeses prefere pop comercial ao rock, mas Gap me diz que há cerca de 300 pessoas na cena do hardcore de Banguecoque. “É tipo uma grande família. As pessoas vêm aos shows, curtimos uns moshs bem pesados. Às vezes o lance fica violento, mas todo mundo se respeita. Há provavelmente umas 30 bandas na ativa”.

Apesar da cena ter começado nos idos da década de 90 do século passado, ela cresceu vagarosamente desde então. Sano, da banda LowFat explica por que é tão raro ver uma banda tru de hardcore. “Acho que talvez seja por causa da mentalidade “paz e amor” do povo tailandês, essa tendência a perdoar facilmente. Isso meio que contradiz os “diga não!”, “reaja!”, ou “anti-qualquer coisa” das ideias do hardcore e do punk

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Mas em 2001, algumas bandas pesadas tailandesas como Born from Pain, Licence to Kill e No Is Not se uniram pra formar a crew Thailand Hardcore (THxHC). Pouco depois, a Licence to Kill lançou “Fuck the Police”, uma canção escrita depois que um amigo tacou fogo num pequeno posto policial em protesto às suas restrições aos shows. A No Is Not, pra não ficar de fora, lançou “Fuck Off the Law”. A raiva da polícia cresceu à medida em que ela aumentou as ameaças de acabar com os shows e os pedidos de suborno. “Eles pensam que somos caixas eletrônicos”, diz Sano. “Sacam dinheiro quando bem entenderem. Praticamente não existem bons policiais aqui.”

Em poucos anos, havia um número considerável de bandas pro pivô da cena, Yos, começar a trabalhar no zine Arise e documentar o movimento tailandês de hardcore. No início, a maioria das bandas frequentava o bar The Immortal na Din Dang, mas outros locais começar a surgir, tipo o bar Rust -- um pequeno espaço DIY que se auto-denomina como “rockstaurante”.

Em novembro de 2013, ele recebeu o Ost Fest, que apresentou alguns dos grandes nomes do hardcore tailandês, dentre eles, Born from Pain, A-Zero e os festeiros “cachaceiros” Ten Baht Per Hour. O lado mais saudável da coisa ficou à cargo de bandas da crew straight edge Monument X, que foi formada em 2012 e, segundo Gap, estão indo bem no que diz respeito à espalhar sua filosofia anti-bebidas. Com a Holding On Records celebrando seu quarto aniversário no próximo ano, novos concorrentes vão surgindo. Six F Productions é um selo DIY que grava CD-Rs e cujo lema é “lute pra foder, foda pela liberdade”. Eles lançaram coisas da Blood Soaked Street of Social Decay, que alegam fazer “crust punk tailandês cru e político”.

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O Overstay em Thonburi é o mais próximo que Bagkok tem de um espaço tipo “squat”, com vários andares de cômodos imundos e o tipo de shows que “atraem a força policial”. A cena Oi! também tem marcado presença em Banguecoque há um tempo, com bandas da turma que usa moicanos tipo Chaos of Society, The All Dirty e a nova adição, Deguarda, que chega arrepiando.

Pela primeira vez, há também bandas de hardcore formadas por mulheres. A Itchy Band é formada por três garotas farang (gíria tailandesa pra gringo) e uma tailandesa de cabelo cor-de-rosa com o peito e o braço tatuados. Elas começaram com covers de Stooges na sua cidade natal, Chiang Mang, mas desde então metem as próprias fichas em um punk garageiro. Lançaram o disco Live Fast Die Young no ano passado, e apesar de dizer que não são políticas, não consigo pensar em muitas bandas de UK garage que cantam sobre Mao Tsé-Tung ou os abusos dos direitos humanos em Burma (“Burma Burma hey / what you got to say / when you gonna pay” -- Burma Burma olá / o que você tem pra falar / quando é que você vai pagar).

Nicole Girard da Itchy Band, também conhecida como Ra Ra, disse que a cena musical de Chiang Mai estava cheia de homens e elas queriam fugir à regra. Perguntei a ela sobre o tipo de resposta que tiveram até agora. “Na maior parte do tempo, as pessoas nos dizem estar desesperadas por algo original, música ousada, e dependendo de quanto tempo estão na Tailândia, o quanto disso elas perderam. Mas no começo, os tailandeses locais trataram o fato de sermos mulheres como uma espécie de novidade engraçadinha”, lamenta. “Mas como seguimos tocando e nos mantivemos firmes, começaram a nos respeitar apesar do nosso gênero.”

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O punk está cada vez mais forte no sudeste da Ásia também. Na Indonésia, não é anormal que frequentadores de shows sejam presos por causa do seu visual, e em 2011 isso

virou manchete

depois que 65 jovens foram levados pela polícia em um show numa área conservadora particular e forçados a terem suas cabeças raspadas. Há sons muito interessantes vindos da Malásia também, que infelizmente abriga as gangues neo-nazi

“Malay Power”

e, só recentemente, o Camboja saudou seu primeiro selo alternativo, o

Yab Moung Records

. Uma espécie de revolução hardcore parece estar a caminho.

Pergunto a Gap o que significa ser punk. “Hardcore é minha vida. Não é só sobre a música. Ele faz com que eu me conecte à milhares de pessoas no mundo todo, que eu me expresse e também me trouxe a lugares em que nunca estive. O hardcore é tudo pra mim e eu sempre vou viver por ele.”