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Música

Discos: Burial

Um hino anti-bullying.

Rival Dealer

Hyperdub

Burial faz um grande favor àqueles que têm uma congénita dificuldade em distinguir os múltiplos sub-géneros da música de dança (ou electrónica, como quiserem; uma designação é tão inexacta como a outra): a música do inglês define-se a ela mesma. Ou seja, não se fixa no dubstep ou no 2-step garage ou no ambient ou no house techno (estou obviamente a citar a Wikipedia), parte deles para atingir algo particular, como qualquer artista maior. Dando a volta ao problema de descrevê-la, sirvo-me de imagens: as dos prédios dos bairros sociais ingleses, construídos na segunda metade do século XX segundo a arquitectura brutalista, que propunha que se deixassem os materiais à mostra, sem qualquer ornamento, como se as construções permanecessem inacabadas (pense-se no Estádio da Luz), revelando uma geometria feita de formas rígidas e linhas duras de cimento, uma paisagem obrigatória em qualquer filme sobre futuros distópicos e totalitários (da mesma maneira que a música de Burial será a banda sonora ideal para os ditos).

Na verdade, esta definição faria mais sentido há uns cinco anos. A música de Burial continua a suportar-se em tonalidades cinzentas (alguns dirão depressivas) — samples de voz trabalhados até se tornarem irreconhecíveis (mesmo quando são de cantoras como Christina Aguilera), vozes do além-pop, de batidas (ar)rítmicas mais propícias a movimentos interiores do que à pista de dança —, mas algo se aclarou na atmosfera sombria. Nestes últimos EPs — Burial já não lança um álbum desde Untrue de 2007, o seu segundo, editado no ano imediatamente seguinte ao auto-intitulado primeiro —, em que as canções se alongaram (por vezes, para lá dos dez minutos), se quebram a meio e mudam subitamente de registo repentinamente, existem já, nas diversas ideias que coabitam em cada faixa, alguns momentos quase dançáveis, uma luminosidade “sadia”. Em Rival Dealer, que o sempre reservado William Bevan (nome verdadeiro de Burial), afirmou, em nome próprio, querer que fosse um hino anti-bullying, ou melhor, um hino à diferença, há até uma (essa) mensagem de esperança.

Se “Come Down To Us” contém a(s) melodia(s) mais bonita(s) do disco e fecha com um discurso de Lana Wachowski, transexual que costumava chamar-se Larry e co-realizou com o irmão The Matrix, um dos mais conhecidos filmes de ficção-científica, e é portanto a canção definidora do EP, a pequena faixa “Hiders” é quase apoteótica, festiva (tanto quando Burial o pode ser), como se o R&B que estava subentendido se libertasse de uma vez por todas e assumisse o papel principal. Quanto a “Rival Dealer”, a faixa-título e primeira das três que compõem o EP, tem uma robustez e uma intensidade que contrariam a ideia de que a música de Burial poderá ser um tanto anémica (isto não é chill out) — é uma canção tão zangada como inspiradora. Todas elas demonstram que, se é um género, Burial vai evoluindo para novas direcções, deixando aos imitadores a tarefa de repetir o seu passado.