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Música

Não existem limites para a imaginação musical da Wil-Ru Records

Falei com Eric Adrian Lee, um dos cérebros por detrás desta label.

Um dos melhores elogios que podemos fazer à Wil-Ru Records passa por insistir na noção de que se trata de uma

 label

 em constante competição com a imaginação. Ou seja, se a imaginação chega aos confins do espaço e a paisagens nunca vistas, a Wil-Ru não se acanha de também criar as suas próprias visões de lugares jamais pisados por alguém. Faz isso com que a editora de Portland, no que a discos diz respeito, passeie por um tipo de música inevitavelmente atmosférica. Mergulhamos de sentidos bem abertos num disco da Wil-Ru e o que encontramos muitas vezes é uma experiência de total escapismo, que manda às urtigas o tempo e a localização em que nos encontramos realmente. A partir daí as regras são-nos ditadas pelo nome que vem na lombada destas vistosas caixas de DVD e

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audiobook

 (formatos cheios de personalidade e classe).

Mas o principal responsável pelas romarias incertas da Wil-Ru é um tipo chamado

Eric Adrian Lee

. É ele que, além do envolvimento em vários dos projectos da casa (Ozarks, Biathalon, etc.) contribui com uma estética ligada a um imaginário próprio da ficção-cientifica — ou, pelo menos, à parte dessa que fez todos os possíveis para adivinhar o futuro na década de 70. Percorremos as mais vistosas capas da Wil-Ru e é impossível não reagir com algum espanto aos visuais retro que Eric Adrian Lee foi criando, com recurso a sumarentos estilhaços de subcultura (o homem adora filmes

giallo

) e a um design inspiradíssimo. Na longa conversa que mantive com o Eric, explorei também a sua faceta de inovador de formatos e a carreira paralela como DJ No Requests (nome hilariante por acaso).

Contudo a conversa que se segue não faria sentido se contornasse o que mais importa na Wil-Ru Records: o seu gigante caudal de música maioritariamente electrónica e aqui e ali perdida nos mesmos labirintos da memória por onde costumam andar os iluminados Boards of Canada. Em termos de pessoal envolvido, a Wil-Ru funciona como um núcleo familiar (Eric Adrian Lee, Steve Harmon, Brian Grainger, Davis Hooker) que não teme em estender a mão a novos produtores oriundos de outras cidades americanas e até mesmo da Europa (como é o caso de

Koolmorf Widese). Uma label, que se expande desta forma, acaba por ser coesa, ao mesmo tempo que aglomera discos focados em géneros tão diversos como a ambient, a acid, a dub-techno (os álbuns de Ohrwert e Lamont Kohner são escutas obrigatórias) ou a pop barroca reminiscente dos anos 60. Não temam clicar nas pistas que fomos deixando pelo meio de uma conversa que é extensa. Tão extensa como o alcance da imaginação da magnífica Wil-Ru Records.

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VICE: Com tanta coisa a acontecer em Portland, sentes que a agitação artística da cidade influencia a dinâmica da Wil-Ru?

Eric Adrian Lee:

Para ser completamente honesto, não sei ao certo se Portland contribui de alguma maneira para a Wil-Ru. É uma questão interessante e, após ter reflectido bastante, concluí que a Wil-Ru é sedeada em Portland, mas não tem uma ligação concreta com a cidade. Os nossos artistas e o nosso mercado são internacionais, e, nesse quadro, Portland parece mais uma bolha isolada do resto do mundo. Contudo devo dizer que há muita coisa interessante a acontecer por aqui, mesmo que eu não me sinta muito envolvido com a cena — ou pelo menos tanto quanto me sentia no passado.

Sei que és um grande admirador de filmes giallo e de compositores italianos. De que maneira és influenciado por essas duas paixões nas decisões que tomas na Wil-Ru?

Sim, adoro

giallo

 e toda a música e estética que lhe estão associadas. Diria que a minha obsessão por

giallo

 (e filmes dos anos 60 e 70 em geral) afecta-me mais enquanto designer gráfico do que proprietário de uma

label

. Como saberás, a maior parte do catálogo da Wil-Ru é dominado por artistas de electrónica, e não existe um contacto significante entre o tipo de electrónica que lançamos e o

giallo

. Ainda assim deixei que as minhas influências se alastrassem ao

artwork

 e vídeos aqui e ali. Por exemplo, as capas que fiz para Blind Slime absorvem alguma dessa estética. Na verdade, a capa de

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Mid-Atlantic Gothic

, de Blind Slime, contém uma imagem da Carla Gravina.

Também existem referências muito deliberadas ao giallo no LP de Ozarks. Uma vez que toco nos Ozarks com o meu bom amigo Robbie Augspurger, e ambos somos devoradores de giallo, tornou-se natural divertirmo-nos com isso no artwork e vídeos do álbum. Repara que a folha, no interior do LP, tem a seguinte frase em letras garrafais: "Il tuo vizio è una stanza chiusa e solo io ne ho la chiave" (o título de um giallo de 1972 realizado por Sergio Martino). Neste último ano tenho desenhado para uma editora europeia chamada Giallo Disco. Os discos soam exactamente ao que esperas: horror disco com uma forte influência italiana. Trabalhar com o Anton (Antoni Maiovvi) e o Gianni (Vercetti Technicolor) satisfez certamente a minha vontade de incorporar a estética do giallo nas capas dos discos. A música que eles estão a lançar é excelente também! Sinto-me bastante entusiasmado e honrado por estar envolvido. A Giallo Disco é um exemplo claro de uma editora em que o giallo se cruza com a música electrónica moderna.

Diria que existe um desafio muito próprio na iniciativa de lançar um maxi-single como Sleepless (a muito generosa cassete de Biathalon com cinco remisturas). Como descreverias o processo de selecção de produtores para remisturar o original?

Foi muito simples, por acaso. Tenho a sorte de ser amigo de vários produtores extremamente talentosos e, assim que terminei “Sleepless”, enviei um pedido de remistura a todos aqueles que poderiam apresentar resultados interessantes. Qual não foi a minha surpresa ao reparar que todos enviaram uma remistura: Lamont Kohner, Forrest, Grischa Lichtenberger, Gold Coast e Coppice Halifax. Fiquei francamente abismado com o material que recebi de volta. Foi uma lição de humildade ouvir o que tinham feito com o meu original. No final de contas até fiquei com a sensação de que a minha faixa era a mais fraca da cassete. E isso pode revelar um pouco sobre como adoro todos estes artistas que conheço!

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A única remistura que me deixava com incertezas era a do Grischa visto que nunca havia colaborado com ele. Por isso fiquei naturalmente honrado por ele ter enviado uma remistura tão bonita. Todos os restantes artistas estão de alguma forma envolvidos com a Wil-Ru. O Forrest (Warren Kroll) nunca tinha lançado nada na Wil-Ru, mas temos um EP do seu grupo The Red Falcon Projects. Gold Coast é um novo projecto do David Tagg, que ainda não lançou qualquer álbum com esse nome, e por isso fiquei ainda mais satisfeito por estreá-lo em

Sleepless

.

Depois da cassete estar fechada, ainda recebi outra excelente remistura do John-Paul Kramer (enquanto COAL). Daí que, por mais absurdo que pareça, vamos lançar uma nova versão de

Sleepless

 que inclui a faixa do JP, acompanhada pela primeira remistura de Gauss. Trata-se de um novo projecto em que colaboro com o meu amigo Brian Grainger (Coppice Halifax, Milieu, etc.). Estamos perto de terminar o nosso primeiro álbum, que deve sair lá para o fim do ano. Sinto-me bastante feliz por colaborar com o Brian: ele é o músico e produtor mais prolífico que conheço, de longe. Ele contribui muito para a Wil-Ru desde o início — quase como se fosse um parceiro silencioso. Já para não mencionar que é ele que masteriza uma boa parte dos nossos discos.

Há qualquer coisa de drum 'n’ bass na remistura de Gold Coast que me conquistou e fez com que “entrasse” de vez na cassete. Quando estás a avaliar o que deve ou não ser lançado na Wil-Ru, qual é o tipo de característica que te deixa de “pau feito” e te leva a pensar que é mandatório pegar nesse material?

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É curioso que menciones a drum 'n’ bass. Isso não me tinha ocorrido até aqui, mas entendo onde queres chegar. Tudo o resto que conheço de Gold Coast gira mais à volta da dub-techno. Para ser totalmente honesto, o material que ele está a trabalhar (para a Wil-Ru) é algo reminiscente de um dos meus discos favoritos de techno: o

Hash-Bar Loops

, de DeepChord. Fiquem atentos, porque esse disco será uma bomba. Mas, agora respondendo à tua questão, não sei exactamente o que me leva a sentir obrigado a lançar um disco, mas isso acontece frequentemente. É um pouco como quando estou a trabalhar numa pintura e alguém me pergunta “Quando sabes que está acabado?”, e a resposta é: “Sei e pronto”. O que me atrai realmente nos discos é a sua atmosfera e textura. Gosto muito de música atmosférica. Adoro quando a música ganha uma dimensão cinemática e é também por isso que colecciono bandas-sonoras. Prefiro música que seja altamente melódica ou pelo menos melodicamente densa. Acho que me concentro em música instrumental, na maioria das vezes, porque a ausência de letras permite-me criar as minhas próprias imagens — e creio que essa é uma experiência mais recompensadora e profunda.

<a href="http://wil-ru.bandcamp.com/album/dark-roads" data-cke-saved-href="http://wil-ru.bandcamp.com/album/dark-roads">Dark Roads by Cliff White</a>

Devo dizer que não sei muito sobre o Cliff White. Podes falar-me um pouco dele e da vossa colaboração no lançamento de Dark Roads?

Também não o conheço pessoalmente, mas o Cliff é amigo do Steve Harmon, que é o meu parceiro na Wil-Ru. O Steve possui uma companhia chamada Synthrotek que fabrica sintetizadores modulares. Creio que foi assim que ele conheceu o Cliff. Ambos são loucos por material modular — algo com que não me estou muito familiarizado, embora o Steve me vá mostrando isto e aquilo. Então o Steve trouxe até mim o disco do Cliff e eu gostei, e acabei por me envolver mais no design. Ele vive em Portland e é um dos nossos poucos artistas locais. Através das escassas conversas que tivemos, sei que é uma espécie de músico veterano, que tocou guitarra em diversas bandas durante décadas e que, nos últimos anos, começou a mexer em sintetizadores modulares (construí-los, quitá-los, etc). Tanto quanto sei o

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Dark Roads

 é o seu primeiro disco electrónico. Através da Synthrotek estamos a tentar formar uma pequena comunidade de artistas interessados em instrumentos modulares. Neste momento estamos a dar os primeiros passos naquela que será uma compilação de música modular lançada em colaboração entre a Wil-Ru e a Synthrotek.

Aproveito a deixa de Dark Roads para te perguntar se a arte dos videojogos não te influenciou no design de alguns discos mais ligados ao espaço?

Acredites ou não, eu nem sequer pego em videojogos… Em criança era capaz de jogá-los ocasionalmente, em casa de amigos, mas nunca tive uma consola. Enquanto designer obtenho influências de toda a parte. Reconheço a atracção por uma estética mais retro, porque não tenho interesse nas imagens totalmente digitais. Parece-me que muita da arte digital tem falta de emoção e alma, além de ser um pouco descartável. No caso de

Dark Roads

 (e também de

The 5th Dimension

, de Jeremiah R., e de

The Expedition Beyond

, de CN) retirei maior inspiração das capas de livros de ficção-científica dos anos setenta: Philip K. Dick e esse tipo de autores.

Como recordas os tempos que passaste nos Metal e a tomar conta da Artistery Records? Sentes que retiraste daí algumas lições úteis para o que fazes hoje?

Hmm, a Artistery Records era uma editora que eu geria com o meu amigo e parceiro de banda Aaron Shepherd. Visto que ambos tocávamos num grupo chamado Metal, a minha tarefa passava por criar a capa para a maioria dos discos. As coisas não eram muito sérias nessa altura, mas eram bastante divertidas. Na maioria das vezes fazíamos festas em que gravávamos uns CD-r, que depois metíamos em capas de cartão com artwork fotocopiado. A filosofia passava muito por escrever com caneta de acetato num CD e toca a andar. Não creio que nenhum de nós olhasse para aquilo como mais que um hobby… O que nos interessava era ter umas edições limitadas para vender em concertos. O nosso álbum

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Fearful

foi o meu primeiro disco em vinil e isso deixou-me entusiasmado. Acho que só nessa altura comecei a pensar mais nas prensagens e no processo de venda de discos. É provável que ainda hoje aplique uma parte do que aprendi com isso.

És um pouco o cientista louco e genial no que toca ao design dos discos da Wil-Ru. O que achas das caixas de Blu-Ray? Podiam enquadrar-se no teu método?

Já considerei utilizar essas caixas e essa é uma hipótese que ainda não coloquei de parte. Gosto do tamanho e aspecto, e agrada-me também confundir as pessoas com os formatos. Um dos motivos que nos levou a lançar os CDs em caixas de DVD incide na vontade de ter um artwork mais amplo (as caixas de CD são um pouco aborrecidas e frágeis). A mesma explicação aplica-se ao formato de

audiobook

para as cassetes em vez da vulgar caixa plástica. Visto que sou um artista e designer, tento sempre que possível destacar o

artwork

, até porque é por aí que toda a gente tem o seu primeiro contacto com o álbum. Atendendo a que a indústria parece cada vez mais afastada dos meios físicos, acho que é atractivo ter nas mãos um objecto de características únicas. As editoras estão conscientes disso e infelizmente a tendência tem sido lançar grandes caixotes de tiragem limitada, com um monte de bugigangas lá dentro, para que possam cobrar um milhão de dólares por cada unidade. Agrada-me a personalização do produto, mas acho mal que os clientes tenham de pagar um salário inteiro para obtê-lo. Além disso, e enquanto DJ, não me apetece muito andar com esses caixotes. É bom manter algum sentido prático.

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DJ No Requests é um grande nome. Faz-me sorrir a cada vez que o digo. Qual é a parte mais divertida desses DJ sets?

Talvez seja quando vejo o pessoal a ficar atrapalhado antes de me fazer um pedido, embora seja claro que também estão no gozo. Esse nome sempre fez algumas pessoas rir e isso é óptimo, até porque começou a ser utilizado como uma piada. A maioria das pessoas faz pedidos que nada têm a ver com o que estás a tocar. Não ocorre a essas pessoas que possamos nem ter a canção que querem ouvir (até porque só passo vinil), porque estão habituadas a obtê-la instantaneamente no telefone ou isso. Odeio quando as pessoas me passam o telefone para que o ligue ao sistema de som. Esse é o maior insulto que podes dirigir a um DJ. Acho que comecei a utilizar o nome depois de um ano a receber pedidos totalmente incompatíveis com o que normalmente passo. Gosto de tocar muita coisa dos anos 60 e 70, e, certa vez, estava a passar uma malha dos Seeds, quando entrou um bacano que me pediu para meter hip-hop, porque eu estava “a arruinar a festa” (e isto apesar do gajo estar ali há um minuto, quando eu já estava a passar cenas da década de 60, há quatro horas, para um público receptivo). O nome é só mesmo uma piada e, se o pessoal alinhar, eu toco o que me pedem se o tiver comigo.

E o que podes adiantar sobre o calendário de edições para os próximos meses?

Bem… Acabámos de editar o

JX-EP

, de Koolmorf Widesen. É um produtor italiano de Florença chamado Leonardo Barbadoro. Aí podes encontrar alguma acid de categoria: sólida, densa, complexa e emotiva. Estou bastante entusiasmado e esse será o primeiro lançamento do tipo em quatro anos. De resto, temos uma série de lançamentos escalados para os próximos tempos: discos de Free Festival, aspect., Coppice Halifax, CN, Monolog X, Lamont Kohner, Magic Arrows e Zander One. Existem outros, mas não quero abrir mão de tudo. Estamos a pensar também lançar uma série de edições limitadas (em formato CD e digital) mais viradas para a música ambient e abstracta. Será uma espécie de colecção para o conhecedor de sons atmosféricos. Uma boa parte desses discos serão bastante longos e dados a uma estética muito subtil.