FYI.

This story is over 5 years old.

Música

​As palavras que nunca disse ao Thurston Moore

Normalmente não fico petrificado na presença de estrelas internacionais ou de figuras que admiro com a intensidade de um jovem de catorze anos.

Imagem via Wikipedia.

Normalmente não fico petrificado na presença de estrelas internacionais ou de figuras que admiro com a intensidade de um jovem de catorze anos. Há uns anos conheci os Oh Sees (provavelmente a minha banda rock favorita no activo) e bastaram poucos minutos para lhes falar do meu avô e da obrigação de ver Aquele Querido Mês de Agosto , do Miguel Gomes. Tudo muito naturalmente. Mais tarde enviei ao John Dwyer (mentor dos Oh Sees) o DVD desse filme, mas ainda hoje não sei ao certo se o viu ou se o vendeu para comprar droga. Recentemente convivi durante escassos minutos com o realizador Abel Ferrara e muito francamente até acho que ele estava mais assustado do que eu. Mas esta minha imunidade às sensações de quem fica starstrucked (atónito perante os seus ídolos) foi colocada à prova, quando vi o Thurston Moore a passar por mim a caminho do jantar, no terraço da Casa da Música (onde tocou no dia 29 de Março do ano passado). Tudo o que consegui foi estender a mão e acho que nem disse nada. O gajo passou mesmo à minha frente, com dois sacos na mão (devia ter ido comprar arte), e não ligou puto. Aquilo de início até me caiu mal, mas depois ocorreu-me que o meu dever mínimo era ter dito "Thanks for "Diamond Sea"" ou qualquer coisa como "Man, NYC Ghosts & Flowers is not that bad…" (ou pelo menos não tão fraco quanto The Eternal). Afinal ali estava aquele tipo altíssimo dos Sonic Youth que teve uma influência crucial na música que escutei durante os últimos vinte anos de vida. A ocasião exigia mais do que erguer a mão e ficar a olhar para ele como um tontinho.

Além disso, a apatia sentida nesse encontro jamais me impediria de ficar feliz por cada uma das "novas juventudes" vividas por Thurston Moore e calculo que ele já vá na oitava ou na nona. Ou de que outra maneira se pode definir o momento de um tipo que, aos 56 anos, apresenta-se nos seus discos a malhar na guitarra, como se houvesse ainda um futuro por devorar? O seu mais recente álbum, sugestivamente intitulado The Best Day, revela um fervor que só podia partir de alguém que mantém a fome criativa que Steve Jobs referia como uma necessidade num famoso discurso. Em conformidade com isso, o Moore de "Speak to the Wild" ou "Forevermore" parece completamente à vontade na revisitação do som dos Sonic Youth, com riffs equilibrados entre um saudável peso nostálgico e aquele eterno feeling dos jovens que escolheram a guitarra em vez de uma vida social activa. Nada mudou assim tanto na irradiação musical de Moore desde, por exemplo, Goo (e esse está quase a fazer 25 anos) excepto talvez a regularidade, que continua em crescendo, apesar da idade e dos problemas pessoais do senhor aqui chamado.

Em 2014, Thurston Moore dispôs de tempo para quase tudo, incluindo duas edições que registaram a sua colaboração com três dos valores mais proeminentes da música experimental portuguesa: Margarida Garcia, no caso de The Rust Within Their Throats, lançado pela Headlights do Manuel Mota (também ele outro imparável), e Pedro Sousa e Gabriel Ferrandini, no não menos sonante disco Live at ZDB. Ambos os discos foram gravados na Galeria Zé dos Bois, que, além da excelente programação , tem assumido um papel importantíssimo na criação de condições para discos vários serem gravados (o recente e aclamadíssimo Ruins, do fantasma que assina como Grouper, teve um fortíssimo contributo da ZDB). Com tanta fruta na cesta, custa ainda mais a crer que Thurston Moore encontre tempo para pequenos lançamentos feitos de canções em nada inferiores às que chegam aos álbuns da Matador. É isso que se verifica numa recente cassete editada pela minúscula Blank Editions: chama-se Sun Gift Earth e a sua principal faixa – " Rosetta" – honra o sagrado nome de Sun Ra recorrendo a uma série de imagens cósmicas que seriam certamente do seu agrado. "Rosetta" presta-se a mostrar um Thurston Moore bem acompanhado (por Hush Harbors, Samara Lubelski e John Moloney) e em modo espacial numa canção que aparece, desaparece e depois aparece outra vez. Numa próxima vez digo-lhe que gostei muito desta cassete.