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As cadeiras brancas de plástico estão a dominar o mundo

Existem biliões de cadeiras monoblanc espalhadas em todo o mundo, totalmente "descontextualizadas" - ou seja, é quase impossível identificar o tempo ou o lugar que representam quando as vemos numa fotografia.
Fotografia de hopeless128/ Flickr

No ático do casarão em frente ao meu apartamento de Brooklyn há um monte de cadeiras brancas de plástico empilhadas, que aos poucos vão acumulando uma capa de neve. No outro extremo do país, há outras tantas que são distribuidas ao redor da piscina da casa dos meus pais, e certamente em alguma parte do Yemen haverá filas e filas dessas mesmas cadeiras preparadas para receber os convidados de um casamento. Algumas estarão a flutuar envolvidas num monte de lixo no meio do Pacífico, e provavelmente muitas outras estarão na casa de uma idosa sul americana, com montes de revistas em cima. Inclusive, e imagino que existirá, pelo menos uma, na órbita da Terra. Pode até parecer um exagero, mas a localização destas cadeiras brancas é um alarmante (e mau) sinal para a cultura mundial.

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A primeira cadeira de plástico de baixo custo, simples, de fácil arrumo e fabricada com molde capaz de empilhar dezenas de exemplares – conhecida como cadeira monoblanc – foi (provavelmente) desenhada em 1967 por um italiano chamado Vico Magistretti e posteriormente produzida a grande escala durante a década de 1970 por Grosfillex Group, mas como não existem patentes originais, ninguém sabe ao certo quem é o "pai da criatura", assim como ninguém sabe quantos fabricantes de cadeiras monoblanc existem actualmente, nem quantas unidades se fabricaram até agora, é muito provável que o número esteja na casa dos biliões. O única coisa que sabemos é que estão por todo o lado.

Mas, a diferença de outros projectos globais como os comandos de televisão, os clips, os rádios e as AK-47 [Kalashnikov] é que estas cadeiras são "descontextualizadas". Há uns anos, o Director de Estudos sobre Meios Cívicos de Comunicação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Ethan Zickerman, explicou no seu blogue a importância deste modelo de cadeiras: "Quase todos os objectos sugerem um momento e um lugar… A forma de um electrodoméstico, as etiquetas dos produtos que consumimos, as televisões, a roupa, tudo isso nos dá informação sobre o momento em que se tirou uma fotografia, se foi em 1970 ou na semana pasada, ou se foi na Suécia ou em Honolulu. A cadeira monobloanc é um dos poucos objectos que, a meu ver, carece de um contexto específico. O facto de veres uma cadeira branca numa fotografia não te dá nenhuma pista sobre o momento ou lugar em que esta terá sido tirada".

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Existem diversos conceitos que separam (e distinguem?) a raça humana: riqueza, idade, raça, género, geografía, religião, orientação sexual, altura, peso, etc. … Os artigos criados pelo homem quase sempre se regem por alguma destas características: há pessoas que possuem certo tipo de produtos e existem artigos que denotam riqueza ou pobreza ou algum tipo de posição social, etc. Contudo, a monoblanc permanece isolada do seu contexto, dificilmente evitável e não biodegradável, quiçá também imortal.

Conversei com Ethan Zuckerman sobre as minhas inquietudes acerca da monoblanc, a sua aparente localização e sobre como ela reflecte a globalização da cultura.

VICE: Para mim, a falta de contexto da monoblanc é bastante inquietante per se. Isto é, como pode um objecto tão generalizado como uma cadeira estar tão desconectado com o seu contexto?

Ethan Zuckerman: Comigo passa-se o mesmo. Eu considero-a o objecto mais globalizado do mundo e, reflectindo sobre isso, pensei que deveria existir uma história por detrás dela, sei lá, um conglomerado gigantesco produzido por alguém que quisesse povoar o mundo inteiro com cadeiras monoblanc. Quando investiguei, descobri que a resposta era, obviamente, muito mais subtil e mais complexo também. Não existe uma única corporação que as produza, já que realmente o processo é relativamente fácil, com um grau reduzido de industrialização. Enquanto que na sociedade actual houverem pessoas com dinheiro para gastar, haverá cadeiras monoblanc, haverá gente que queira sentar-se em algo que os eleve do chão, que evite que se sentem num tronco ou num simples tapete.

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Existe um ensaio de Ingo Niermann que diz que "as cadeiras brancas de plástico são o verdadeiro mal da globalização", referindo-se à generalização da produção em massa na nossa cultura.

Sim! É uma coisa muito ocidental, intelectual e capitalista opor-se a todos os aspectos da globalização. É muito fácil não fazer nada e dizer que a difusão dos poderes corporativos é um mal, que a cultura indígena é boa e que a monoblanc é o claro exemplo da cultura de usar e deitar fora que está a destruir a nossa sociedade. Passei boa parte da minha vida profissional em países em desenvolvimento onde há muita gente que deseja poder ter acesso à cultura material do Ocidente. Achar que os pobres não podem ter cadeiras monoblanc porque é mau para a sua cultura é pecar de um paternalismo absurdo. Seguramente haverá algum tipo de aspecto que seja correcto. Por exemplo, as empresas de móveis não saem muito beneficiadas com a proliferação das cadeiras monoblanc. Mas acho que com essa ideia de que isto é como um virus contra o qual devemos lutar, não é muito bom para as pessoas dos países subdesenvolvidos, que também têm o direito a decidir como e onde querem aplicar os seus recursos. Penso que é o limite máximo da condescendência, Não se está a destruir a cultura. Trata-se de dar aos pobres a possibilidade de adquirir bens que representem as suas aspirações.

Então, acreditas que este tipo de globalização é um aspecto necessário para a evolução de um país em desenvolvimento?

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O que eu estou a dizer é que quando o mundo inteiro está conectado ao fluxo de informação global, os nossos desejos e aspirações materiais também acabarão globalizados. Quando tens à tua disposição produtos no mercado que viste na televisão, queres imediatamente esses produtos. Por isso, acho que há que reconhecer a capacidade de decidir sobre tais produtos. Na minha opinião, a maior parte das críticas contra a globalização e o imperialismo na sua forma material são demasiado ingénuas.

Então, mais que uma tentativa de "ocidentalizar" tudo, a monoblanc é uma boa solução para nos sentarmos porque é barata e está descontextualizada. Como é que isso afecta a cultura de optar pelo caminho de "menor resistência" que representa a compra de uma monoblanc?

Suponho que poderia valorizar-se o estado de uma cultura através das suas cadeiras. Talvez numa cultura concreta a monoblanc seja uma peça de mobiliário que o cidadão médio tem, a que aspira, quase como um símbolo de estatuto social. Houve uma época nos EUA em que a roupa feita em casa era um símbolo inequívoco de pobreza. As pessoas queriam vestuário de produção industrial. Obviamente, hoje em dia isto mudou. Ter um fato feito à medida, por exemplo, marca um estatuto, porque as outras pessoas vestem roupa feita à máquina. O mesmo poderia aplicar-se às cadeiras monoblanc relativamente ao seu carácter aspiracional. A produção qualidade-preço é boa, está bem projectada e é precisamente nesse instante que um objecto feito à mão se converte num artigo de luxo.

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Mas isso não leva a uma homogeneização da cultura?

Penso que a globalização nunca é homogénea. Olha o McDonald's, por exemplo. Toda a gente recorre a esta cadeia para exemplificar a homogeneidade, mas não é assim. É um negócio muito localizado. Que eu saiba, há pelo menos dois tipos de cadeiras monoblanc, não é? Há uma monoblanc tão genérica que não sabes se estás no Gana ou em Geórgia e há outro modelo que adopta a identidade autóctona e mostra um desenho ou padrão de fábrica. De alguma forma, este último tipo é, se é que é possível, mais estranho ainda, porque não sabemos se é autóctono ou se foi fabricado em algum outro lugar, como a China, mas pretende ser apropriado para o lugar onde se comercializa.

Imitações de cadeiras monoblanc em versão regional, portanto.

Às tantas, a monoblanc é uma espécie de sucesso do design modernista e de alta gama. Os designers procuram sempre que as suas criações sejam universais, não pretendem alcançar a especificidade cultural. Pretendem transcender e fazer lograr os seus objectos para que sejam usados em todo o mundo. E provavelmente isto seja um design modernista - top - a um nível cultural acessível para todos.

De alguma forma a monoblanc aproxima-se da perfeição criada pelo homem. Há uma certa beleza na capacidade de criar algo tão resistente, simples e rentável.

É o resultado de um aspecto concreto da evolução. Se queres criar uma cadeira que seja barata, funcional, fácil de fabricar e universalmente aceite, o resultado final desse largo processo seria provavelmente a monoblanc. O que mais me assusta é pensar que não existe outra forma de dar a volta a este produto, porque chegaria ao ponto em que deixaria de ser uma cadeira. É o limite da evolução.

E nem sequer sabemos quem a inventou.

A cadeira ocupa um lugar muito interessante entre os designers. Todo o designer aspira criar a sua própria cadeira, mas este tipo de artigo é uma verdadeira dor de cabeça. É muito, muito complicado. O assento tem que ser curvo, inclinar-se num determinado ângulo, e fazer com que seja cómoda para se sentar, e por isso acaba por ser um verdadeiro desafio. Bem, realmente a monoblanc supera esse desafio e, ainda para mais, é suficientemente barata para ser fabricada e vendida em todo o mundo. Quem sabe se este não será o objecto com o desenho mais perfeito do mundo!