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Tecnologia

Este gajo acha que nunca mais vai precisar de comer

E que vai continuar a ser saudável.

Sabes o que é um tremendo desperdício de tempo, dinheiro e suor? Comer coisas de que gostas. Agora a sério, não preferias ingerir uma substância sem gosto para o resto da vida (e nunca mais teres de passar pela chatice de abrir e de comer uma sandes embalada) ou encheres-te com um pequeno-almoço gorduroso nos dias de ressaca? O Rob Rhinehart, um engenheiro de 24 anos de Atlanta e, ao que parece, um gajo super ocupado, acha que sim. O Rob percebeu que perdia imenso tempo a fritar um ovo de manhã e decidiu fazer alguma coisa quanto a isso. Para reduzir os alimentos a “nutrientes requeridos para o funcionamento do corpo” (o que soa totalmente bulímico e tal, mas prometo que não é), ele criou um cocktail bege e sem cheiro, a que chamou de Soylent. Primeiro, pensei que ele estava a gozar, porque “soylent” é o nome da bolacha feita de carne humana que alimentava a superpopulação do filme seminal de ficção-científica de 1973 chamado Soylent Green, mas depois li um post no blogue do Rob que explica de que forma é que ele chegou até esta substância. Foi aí que comecei a acreditar nele. O Soylent contém todos os componentes nutritivos de uma dieta equilibrada, mas tem apenas um terço das calorias e nenhuma das toxinas e cenas cancerígenas que andam por aí a tentar matar-te. Apesar de ser um bocado parecido com vómito, o Soylent pode ter o potencial de mudar inteiramente a relação do mundo com a comida. Por isso, fui falar com o Rob para saber um pouco mais. VICE: Olá Rob. Por que razão é decidiste boicotar a comida?
Rob Rhinehart: Foi uma combinação de acontecimentos. Estava a passar o Natal com a minha família, quando soube que um velho amigo dos meus pais tinha sido internado depois de perder uma quantidade de peso nada saudável. Ele estava a perder as forças num dos braços e tinha dificuldade em cozinhar. Comecei a pensar por que motivo é que algo tão simples e importante como a comida ainda era tão ineficiente, em comparação com outras coisas modernas que são tão mais simplificadas e optimizadas. Eu também tinha um incentivo para ter o estilo de vida mais barato possível e ansiava pelo benefício produtivo de uma vida saudável. Li montes de livros sobre biologia e comecei a pensar que, para as nossas células, é igual se recebemos os nutrientes a partir de uma cenoura ou de um pó. Qual foi o passo seguinte?
Enganar o corpo é muito arriscado, mas traz grandes recompensas. Li um livro didáctico sobre química fisiológica e fui à internet para descobrir se era possível encontrar cada um dos nutrientes essenciais. A minha cozinha parecia um laboratório de química, com variadas substâncias num copo à minha frente. Tive receio que aquilo me pudesse matar, mas decidi ter coragem pela ciência e engoli rapidamente a cena toda. Para minha surpresa, até que soube bem e senti-me cheio de energia. Durante 30 dias, evitei totalmente qualquer comida e vigiei o conteúdo do meu sangue e o meu desempenho físico. A performance mental é mais difícil de quantificar, mas senti-me muito mais atento. Mas afinal, o que é o Soylent exactamente?
É tudo o que o corpo precisa — que se saiba, pelo menos —, vitaminas, minerais e macronutrientes, tais como aminoácidos essenciais, glúcidos e gorduras. Para a gordura, uso simplesmente azeite e óleo de peixe. Os glúcidos são oligossacáridos: parecidos com açúcar, mas com moléculas maiores, o que significa que demoram mais tempo para serem metabolizados. Isso dá-te um fluxo de energia constante durante um período maior, ao invés do pico de açúcar que se tem com coisas como frutose ou açúcar refinado. Também adiciono coisas não-essenciais como antioxidantes e probióticos. Ultimamente, tenho andado a experimentar nootrópicos. E sabe tão bem como um hambúrguer?
O sabor é muito bom. Não enjoei do sabor em seis semanas. É uma sensação muito “completa”, mais doce do que qualquer outra coisa. Para mim, comer é uma actividade de lazer, tipo ir ao cinema, mas não quero ir ao cinema três vezes por dia. Quais são os benefícios de um estilo de vida sem comida? Alguma desvantagem?
Não teres de te preocupar com comida é fantástico. Nada de supermercado, louça para lavar, decidir o que comer… Nada daquelas discussões intermináveis sobre os méritos relativos das dietas sem glúten, keto, paleo ou vegan. As minhas contas da luz e da água ficaram mais baratas. Poupo várias horas por dia e carradas de dinheiro por mês, sinto-me livre daquela rotina. O Soylent também pode ser bom para pessoas que têm problemas para manter o peso. Acho muito fácil perder ou ganhar quantidades precisas de peso, variando-se apenas as proporções do cocktail. Mas há desvantagens: depois de se adicionar água, o cocktail não aguenta muito tempo. Ou seja, tenho de preparar o cocktail todos os dias. Se me enganar na quantidade dos ingredientes, posso ficar doente, mas isso não acontece há muito tempo. E há imenso pessoal que gosta muito mais de comida do que eu, logo pode não aprovar muito a ideia. De que forma é que o Soylent pode afectar os hábitos alimentares do mundo?
O comportamento do consumidor tem muito a ver com preço e conveniência. Há muitas maneiras de se ser saudável, mas os norte-americanos têm mais propensão a ficar acima do peso, simplesmente porque a comida barata e conveniente é pouco saudável. Acho que é possível usar a tecnologia para transformar a comida barata em algo mais saudável. Mas, para isso, temos de desistir de muitos alimentos tradicionais como fruta e vegetais, que são incompatíveis com o processamento e a pirâmide alimentar. Isso parece-me um bocado ameaçador.
Não acho que precisemos de fruta e vegetais — precisamos de vitaminas e minerais. Precisamos de glúcidos, não de pão. De aminoácidos, não de leite. Tudo bem se comeres essas coisas quando te apetece, mas nem toda a gente pode pagar por isso ou tem vontade de comer isso. A comida devia ser optimizada e personalizada. Se o Soylent fosse tão barato e fácil de obter como um café, as pessoas poderiam ser muito mais saudáveis e os custos com a saúde diminuiriam. E creio que isso é totalmente possível. E isso poderia ajudar com a fome no mundo, certo?
Sim, estou muito optimista com a possibilidade de ajudar países em desenvolvimento. O Soylent pode ser amplamente produzido a partir de produtos da agricultura local, e em grande escala — o que até é muito mais barato para alimentar as pessoas mais pobres. As pessoas riem-se quando digo que faço muito menos cocó, mas isto pode ser uma questão importante num país em desenvolvimento, onde o saneamento inadequado é uma das principais fontes de doenças. Além disso, a agricultura tem um enorme impacto no meio ambiente, e esta dieta reduz muito a sua utilização. Recebeste muitas críticas desde que publicaste a tua experiência no blogue?
Acho que esse cepticismo é completamente razoável agora. Não tenho muitos dados por enquanto, mas espero poder mudar isso. O mais interessante é que muitos académicos, nutricionistas, médicos e biólogos entraram em contacto comigo e estão muito optimistas. Bom cepticismo é dizer: “Não estás a tomar nenhum boro [elemento químico] e há evidências de que o boro é um nutriente essencial.” Isso ajuda, e defendo que o Soylent deve ser complementado com comida convencional. Mau cepticismo é tipo: “Isso é uma idiotice. Não dá para viver só com pós e químicos, precisas de comida saudável e fresca!” Algumas pessoas investem muito na ideia da santidade da natureza, da comida natural e têm uma visão idílica da agricultura; essas pessoas encaram este conceito como ofensivo. Acho que este não é um ponto de vista baseado em evidências. Não há provas de que a comida orgânica seja mais saudável do que a convencional, e não é possível alimentar o mundo sem técnicas de cultivo mais eficientes. Achas que vais enjoar do Soylent?
O Soylent faz definitivamente parte da minha dieta. Agora, só como uma ou duas refeições convencionais por semana, mas se tivesse mais dinheiro ou uma namorada, provavelmente comeria fora mais vezes. Mas estou feliz com a minha dieta de solteiro. Do mesmo modo que não sinto falta dos telefones antigos, não sinto falta de comida. Sabes que no tal filme, o Soylent Green é composto por humanos?
Na verdade, no livro em que o filme foi baseado, Make Room! Make Room!, o Soylent é feito de soja e lentilhas. O filme mudou muitos aspectos do livro, mas continua a ser um dos meus favoritos. O meu Soylent não tem nenhum ingrediente humano. Ah, fixe. Obrigada, Rob!