FYI.

This story is over 5 years old.

18+

O Scot Sothern quer que vocês detestem as suas fotos de prostitutas

O que é meio estranho já que levou 20 anos para dormir com todas elas.

No mês passado chegou-me um livro novo à secretária. Há muitas editoras que adoram enviar-nos qualquer livro com palavras-chave do tipo "drogas", "sexo" ou, por vezes, apenas "vícios". Foi esse o caso desta vez: o livro chama-se Lowlife e vem assinado pelo Scot Sothern. É uma colecção de fotografias de prostitutas de LA com quem o autor dormiu. Fiquei muito impressionado pela brutalidade das imagens e ainda mais pelas legendas explícitas que as acompanhavam, por isso entrei em contacto com o Scot para lhe perguntar o porquê deste documentário fotográfico sobre a sua experiência com profissionais do sexo. Tentem arranjar o livro (aqui, por exemplo). VICE: O teu livro bateu-me forte. Como é que hoje em dia vês o mundo que estavas a documentar na altura? Tens saudades, nostalgia? Arrependimento?
Scot Sothern: Bem, arrependimentos não tenho nenhuns. Fazia tudo igual outra vez. Aliás, é isso que estou a fazer agora com uma nova série. Mas acho que não tenho propriamente saudades daqueles tempos, mas lembro-me de curtir a sensação de fazer aquilo. De me expor sem saber o que aconteceria a seguir, de perder voluntariamente o controlo. Olho para o passado com alguma ternura e até algum espanto por ter mesmo feito aquilo, compreendes? Às vezes penso que foi a coisa mais importante que fiz na vida. Quero que as pessoas vejam as fotos e se sintam chocadas pela brutalidade do que vêem. O livro é bastante visceral e espero que as pessoas tirem alguns minutos para pensar sobre aquilo. Sobre as pessoas que vivem na sarjeta, não muito longe de nós. Quando estavas a tirar estas fotografias conseguias prever que um dia poderias vir a querer publicá-las em livro? Ou a cena de sacares umas fotos fazia apenas parte da experiência erótica?
A minha ideia foi sempre mostrar e publicar estas fotos, mas não imaginei que demoraria 20 anos para arranjar a editora e galeria certas. Mas sim, claro que as fotografias fizeram parte da experiência, de certo modo serviram-me como desculpa para a minha natureza hedonista indisciplinada. Acho que estava zangado, foi isso que me levou a fotografar, vivi zangado a minha vida toda. Sou parte de uma geração zangada e queria dizer ao mundo para se ir foder. Havia muitas coisas erradas a acontecer neste país e parecia que ninguém queria realmente saber. Se pensar muito sobre o assunto, consigo arranjar várias razões para ter feito tudo o que fiz. As coisas aconteceram como tinham que acontecer. Tiveste algum tipo de problemas, legais ou de outro tipo, com a publicação destas fotos?
Acho que já passou tempo qb, por isso não me preocupa muito que apareça alguém do passado numa de "ei, aquela ressaca naquela foto ali atrás sou eu". Os tempos são outros. Há milhares e milhares de fotos novas todos os dias, a serem publicadas online de uma forma em que é impossível acompanhar tudo e todos. Mas se alguém entrasse numa galeria que estivesse a expor a minha série Lowlife e calhasse dessa pessoa conhecer alguma das fotogradas, não tinha problemas em excluir essa imagem caso ela levantasse algum tipo de objecção. E também já não entrava na próxima edição do livro. A cena é que o conceito da série é o seguinte: estas mulheres já estavam tão fodidas quando as conheci, que era meio evidente que não viveriam mais 20 anos. Alguma vez tiveste a preocupação de um amigo ou familiar teu ver o livro e descobrir o que andaste a fazer?
Boa pergunta. Quem me conhece dificilmente se surpreenderia por qualquer tipo de descoberta relativa ao meu passado. Sempre fui sincero sobre a minha vida e sempre me reconheceram uma certa atracção pela escuridão. Família é família. O que eu fiz no passado não tem qualquer tipo de repercussão negativa para a minha mulher, nunca escondi nada do meu filho e ele aceita-me da maneira que eu sou. O meu pai, que também era fotógrafo, é que nunca compreendeu o que eu fazia com uma câmara, mas sempre mantivemos contacto um com o outro. Cheguei a mostrar-lhe algumas destas fotos nos anos 80 e ele elogiou a minha composição, iluminação e qualidade de impressão. Isso foi bom. Mas nunca quis que a minha mãe lesse os meus textos ou visse as minhas fotos, mas ela sabe o que aconteceu, já viu o meu trabalho, e gosta de mim como se nada fosse. Sempre me apoiou muito. As pessoas que me importam, os amigos e a família, gostam de mim na mesma, por isso não me preocupo muito com isso. Consegues sair do livro e abstrair-te do teu próprio trabalho para perceber a reacção que as fotografias despertam nas pessoas? Acham que estas imagens humanizam as mulheres que se vêem obrigadas a vender o corpo?
Quando comecei a série era mais porque achava que seria uma coisa fixe de se fazer, tinha a ver comigo. Queria o livro e a exposição, ser um autor de culto para poder pagar o investimento. Mas, depois das primeiras vezes, foi como se tivesse encontrado uma causa. Um chamamento, sabes? Estava numa de colar um sticker no carro a dizer "salvem as rameiras". Todas as prostitutas que fotografei eram pessoas muito humanas, entendiam bem a dor. Espero que as minhas fotos passem essa dor a quem as vir. Algumas das legendas que escreveste são incrivelmente fortes e directas. Acho que muitas pessoas na tua situação teriam tentado facilitar as coisas em certas partes. Estou, por exemplo, a pensar na prostituta que ficou com medo que lhe fizesses mal. Alguma vez tiveste a tentação de atenuar os detalhes mais duros?
Limitei-me a escrever as estórias e os detalhes surgiram-me dessa amneira. Não tentei atenuar ou sublinhar nenhum aspecto. Bem, quer dizer, eu gosto do material mais duro e escrevo assim porque gosto, mas as fotografias funcionam igualmente bem com ou sem textos. Talvez fiquei melhor com os textos, as palavras sugam-te mais para dentro da imagem. Mas nunca tentei tornar isso artificial. Não estou a vender um guião, não vou estar a mudar tudo todos os dias. Para acabar: tiveste alguma reacção negativa mais violenta contra o livro ou contra a exposição?
Não, pelo menos não até agora. Mas espero vir a ter. Gosto de despertar vários tipos de reacção, boas ou más. É para isso que faço o que faço.