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Música

Discos: Gás Magenta

Estes tipos fazem rock adulto.

Está Tudo Bem

Edição de autor

Normalmente, associa-se o rock à juventude. Um lugar comum que terá mais a ver com a altura em que o próprio género era jovem do que com o estado actual do mesmo. A recauchutagem substituiu há muito a originalidade ou até mesmo a recriação e a reinvenção, ou seja, o rock já vai em idade avançada (a entrar para a terceira idade, uma vez que está meio senil). É verdade que alguns dos seus executantes são ainda imberbes — é necessária uma certa inconsciência para repetir o que todos já fizeram — e outros, mais velhos, parecem viver numa mocidade embalsamada, simbolizada nos excessos vividos ou, o mais das vezes, apenas cantados. São tão-só os sintomas da crise de meia-idade que o assola. Nesta conjuntura, é de louvar o rock que reflecte a sua condição, que embora não esconda as suas influências não se resume a elas, o rock que sabe a sua idade. É de louvar os Gás Magenta.

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Não quero fazer aqui a apologia do dad rock (traduzido à letra: rock para os paizinhos), aquela coisa insípida que se ouvia (ouve?) na rádio quando se está num engarrafamento a caminho do subúrbio. Quando escrevo que os Gás Magenta fazem um rock adulto (ainda não tinha escrito, mas escrevi agora), refiro-me sobretudo às letras, que versam sobre os problemas que atacam o ser humano do mundo ocidental quando este atinge os 30 (e muitos): a falta de dinheiro, a preguiça de conhecer coisas novas, uma certa moleza, uma certa insatisfação, uma reavaliação das prioridades, a compra de um sofá novo. Temas que tocam mais o coração de boa parte dos ouvintes do que os grandes males de amor, as grandes rebeldias, a ingestão massiva de drogas, que se foram tornando norma do “rock jovem” (estou a ser propositadamente simplista). Por outro lado, nas letras de Fábio Cardoso há uma curiosa desconstrução do discurso corrente de uma geração (de todas?), das suas expressões, das suas frases feitas, do que o título do primeiro álbum da banda, “Está Tudo Bem” é elucidativo.

Quanto ao som propriamente dito, não irá com certeza revolucionar coisa alguma nem suscitar um qualquer sub-género da moda (habitualmente só as reciclagens espertalhonas de música com pouco mais de dez anos merecem essa honra). É possível descortinar influências mais ou menos conscientes: o rock de corrosiva envolvência do

shoegaze

e outros géneros sonhadores (principalmente, na guitarra de Sérgio Dinis); aquilo a que se convencionou chamar indie; o lento-rápido/sussurro-grito dos Pixies; o fantasma de Renato Russo (em “Gás Pimenta”); uma pitadinha de trip-hop

à la

Portishead (em “Mais Melhor”, que se deve também à bateria sincopada e muiro rigorosa de Pedro Rodrigues); há até um pastiche de country, “Johny Sem Cash”, o único verdadeiro dueto, apesar das vozes de Fábio Cardoso e Margarida Martins jogarem em quase todas as canções (independentemente de quem tem o papel principal), uma marca da banda. No entanto, existe também imprevisibilidade na estrutura das canções, um fugir às convenções do rock (antigo e contemporâneo), que impede o fastio do (re)conhecido, o que nos dias de hoje vale por grande elogio.