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Música

Falei com o Hakim Murphy, um dos homens mais trabalhadores da música de Chicago

Viver Chicago intensamente.

Ao longo de todos os contactos, que culminaram nesta entrevista, a ideia com que fiquei de Hakim Murphy é a de que se trata de um homem extremamente tranquilo e afável — um bacano, no fundo. A noção disso foi sendo consolidada à medida que espreitava as fotos do meu entrevistado e encontrava um tipo afro-americano com um rosto redondo que inspira as melhores vibrações. Mas toda essa avaliação superficial é claramente insuficiente para projectar a real dimensão do tal “bacano”. Ele que afinal é uma força da natureza de toda uma Chicago, que soube muito bem aproveitar o balanço vital garantido por pioneiros da house como Frankie Knuckles e Larry Heard (ambos entidades maiores do som da cidade ventosa). Depois do raio-x geral, ficamos também a saber que Hakim Murphy chegou até a ser um dançarino de footwork e que só mais tarde se focou por completo na música. Indesmentível mesmo é o apurado faro que o nosso anfitrião, em Chicago, tem para compor e descobrir elaboradíssimas malhas feitas com dois elementos essenciais: texturas cheias de ousadia experimental e jogos rítmicos em permanente procura da melhor maneira de nos abrir a cabeça (e conseguir assim o tal efeito Jack que liga a música directamente aos sentidos).  Se para dar a conhecer as suas faixas, Hakim Murphy multiplicou-se em vários disfarces, no que toca a divulgar as malhas dos seus escolhidos, está igualmente bem servido com duas labels para o efeito: a Synapsis Records e a Machining Dreams (que é também o nome de um blogue onde elabora sobre os seus discos favoritos). Com tanta coisa a acontecer (e um espectacular álbum de Innerspace Halflife saído há apenas alguns meses), a conversa rola naturalmente na companhia de Hakim Murphy, que jamais deixa de ser impecável e generoso na visita guiada pela música de uma Chicago muito sua. VICE: Olá, Hakim. Como vais e o que tens feito ultimamente?
Hakim Murphy: Estou bem e tenho trabalhado como Bibliotecário da divisão tecnológica de uma faculdade perto de Chicago. Fiz uma breve interrupção na produção de música, mas agora voltei a gravar novas malhas, ensaiar a minha actuação, dar concertos com Innerspace Halflife ao lado do Ike Release e tratar da curadoria das minhas duas editoras. Comecemos com uma tarefa divertida: se pudesses fazer a correspondência entre os personagens do Street Fighter e os artistas nos catálogos da Synapsis e Machining Dreams, como seria?
Esta é uma questão bastante difícil, mas eis a lista a que cheguei:
Hakim Murphy — Dhalsim
Avondale Music Society — Fei Long
Mauser — Blanka
G. Marcell — Ken
Franco Cangelli — Vega
Obsolete Music Technology — Zangief
Amir Alexander — M. Bison
DJ Spider — E. Honda
Dakini9 — Sakura
Innerspace Halflife — Gouken
Ike Release — Sagat
Resonating — Ryu
hm505 — Gen
The Sun God — Seth
Spirit of the Black 808 — Guile
Chicago Skyway — Chun Li
Kareem Ali — Guy
Miltiades — Akuma

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Agradeço o teu esforço. Nem todos os entrevistados se dariam ao trabalho. Parece-me que assumes sempre alguns riscos inéditos com cada novo lançamento e que é também isso que ajuda à tua evolução como músico experimental. Nesse processo, és inspirado por alguém que faça isso extremamente bem?

Sou inspirado pela vida, a humanidade e o que nos próprios temos de humano. Temos a capacidade de evoluir e gosto de usar a minha experiência como forma de me divertir e compor novos sons. Geralmente procuro criar um feeling e uma história com cada nova faixa ou conjunto de faixas. Tento transformar os sentimentos pessoais em tons, através da utilização de diferente hardware e software, sem nunca excluir a noção de que as possibilidades são infinitas na composição.

Tenho a certeza de que algo como o álbum de Innerspace Halflife, Astral Travelling, requer muita concentração e esforço. Sentes-te obrigado a suspender os teus restantes projectos enquanto trabalhas num disco tão profundo quanto este?

Tendo a gravar as ideias à medida que surgem. Este projecto reúne uma série de faixas que nasceram separadamente de cada um de nós e que só depois sofreram mudanças através da colaboração – isto antes de serem finalmente seleccionadas para fazer parte do disco. Nesta altura, tínhamos todo o interesse em conseguir um bom álbum, mas, para nos aprofundarmos nessa tarefa, deixámos as ideias fluir e gravámos montes de música. Os meus projectos a solo e outras colaborações não sofreram com isso, porque tenho bem desenvolvidas as técnicas necessárias para gravar as minhas ideias e desenvolver as narrativas rapidamente.

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Diria que essa espontaneidade está mais presente nas duas Murph Tone Jack Sessions, na medida em que soam especialmente livres e descontraídas. Foi esse o contexto realmente? Que opções tomaste para isso ser possível?

A minha abordagem é razoavelmente consistente: habitualmente trabalho em muitas faixas ao mesmo tempo e cada uma das

Murph Jack Sessions

 foi composta e gravada numa semana. A música é sempre igual na sua relação com o amor, a arte e as ideias. A minha intenção aqui era ilustrar que a música de dança deve ser divertida, profunda e casual. Procurei gravar música para as festas underground de armazém, onde o feeling Jack vive de facto, daí que se verifique essa liberdade. A música pode ser a derradeira via para a libertação.

<a href="http://synapsisrecords.bandcamp.com/album/murph-tone-jack-session" data-cke-saved-href="http://synapsisrecords.bandcamp.com/album/murph-tone-jack-session">Murph Tone Jack Session by Hakim Murphy</a>

Qual é o tipo de feeling que te leva a despertar o aliás hm505?

Procurava um aliás há já algum tempo e então uma ideia surgiu. Basicamente, no sistema universitário norte-americano as aulas do primeiro ano começam no nível 100, enquanto as aulas de pós-graduação começam a partir do 500. O título do meu primeiro disco vinil a solo é

The Hakim 101 EP

 e foi feito e lançado em 2005. Agora, oito anos depois, hm505 representa o culminar de toda experiência acumulada em técnicas de produção. É este o projecto que apresento ao vivo, quando pego em samples das minhas plataformas digitais e hardware, e utilizo o MPC para as sequenciar enquanto atravessam diferentes processos. O disfarce hm505 materializa-se no preciso momento em que estou a aplicar tudo o que aprendi em termos de composição, arranjos e métodos de gravação.

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Tendo em conta que já partilhaste tantos 12 polegadas com os mais respeitáveis nomes, houve alguma ocasião em que sentisses intimidado pelo nome no outro lado do disco?

Não existe qualquer motivo para ficar intimidado. Na maioria dos casos fico orgulhoso por partilhar o 12” com um companheiro de profissão. Quanto melhor forem as faixas, melhor será o disco e o objectivo é ter cá fora o melhor disco possível. Tudo depende das circunstâncias. Muitas vezes recebo o convite da parte de alguém e, ao escutar o seu trabalho ou a música da label em questão, acabo por ficar confiante de que a tal pessoa possui um bom ouvido para escolher faixas e apresentá-las. Noutras ocasiões faço uma compilação com material dos produtores que tenho ao meu alcance, em ambas as editoras, e tento mostrar as melhores faixas que temos disponíveis.

Podias apresentar-me um par de faixas do catálogo da Synapsis Records através das tuas palavras?

Existem tantas faixas e cada uma reflecte o seu tempo e espaço. Todas são especiais por direito próprio. “micro303”, do primeiro disco da Synapsis e produzida por mim, foi a primeira malha que gravei com um arranjo livre e a utilizar um sintetizador e uma drum machine. É uma faixa em que o sintetizador emotivo vagueia por picos e vales. “Yeah Dat Tu”, do G. Marcell e incluída no terceiro lançamento da Synapsis, é a epítome de tudo o que é deep e rítmico no catálogo. Começa com um groove sólido, depois entram as cordas emotivas e tudo abre caminho para uma progressão sensitiva no meio da faixa. A sua frescura é tão verificável hoje como quando saiu. A intemporalidade é um aspecto forte na filosofia da Synapsis Records e tento que seja uma qualidade de toda a música que aí lanço.

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Podias fazer o mesmo com duas faixas da Machining Dreams?

Uma vez mais a tua questão deixa-me a sorrir, porque adoro todos os lançamentos. “Relapse”, de Obsolete Music Technology e acessível no terceiro disco da label, mistura umas linhas acid com melodias de cordas, e com isso obtém um sério contraste no núcleo das texturas. Junta isso a uma intricada programação rítmica e garanto-te que a festa vai estoirar. “(Ode) to My Own”, do Ike Release e incluída no EP

Chasing Quasars

, começa com uma bateria envolvente e sintetizadores em movimento, que levam a um longo fluxo de melodias. A junção de máquinas e soul acontece quando se começa a escutar a mensagem “Things you own, end up owning you!” (“As coisas que possuis acabam por te possuir!”) Material escaldante para andar na sacola do DJ esclarecido.

<a href="http://machiningdreams.bandcamp.com/album/chasing-quasars-ep" data-cke-saved-href="http://machiningdreams.bandcamp.com/album/chasing-quasars-ep">Chasing Quasars EP by Ike Release</a>

Dirias que nestes últimos seis anos te tens aproximado ou afastado de tudo o que caracteriza o som de Chicago?

Julgo que estou mais próximo que nunca: vivo em Chicago e faço música de Chicago. Acho que a cidade ficou associada a um determinado tempo, que originou excelente música, mas tenho os olhos postos no futuro e em novas histórias. Por isso, sim, adopto princípios clássicos e aplico-lhe técnicas contemporâneas, mas, acima de tudo, luto por desenvolver um som de Chicago livre de estereótipos.

E que lançamentos se avizinham na Machining Dreams e Synapsis, nesse futuro que já observas?
Na Machining Dreams, podes esperar um novo 12 polegadas de Innerspace Halflife chamado Antimatter EP, seguido de um 12 polegadas de Slowmotion (o Vince Noog e eu) intitulado Beats from Lyon. Na Synapsis Records damos as boas-vindas a Miltiades, de Atenas, com um novo disco chamado Outermost Sensitive Paranoia, uma bomba de deep house. Estes três lançamentos ficam disponíveis para venda entre o final de 2014 e o início de 2015.