FYI.

This story is over 5 years old.

Relato

Por fim, aprendi a beber (aos 33)

O que é isso de aprender a beber? Bem, é muito simples.
imagem do filme Casablanca

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

O homem, esse ser capaz de se destruir a si próprio e ao Planeta inteiro, as vezes que forem precisas, sem que isso lhe dê necessariamente prazer. Crescer é tentar diminuir o número de erros que cometes ao longo da vida - como fazer xixi nas cuecas quando estás no supermercado, pegar em peças de metal quando estão muito quentes, ou saíres com pessoas que podem dar-te cabo da vida. Em nenhum caso, todavia, crescer significa deixar de cometer esses mesmo erros por completo.

Publicidade

Cometer erros é inerente ao ser humano. Pedir desculpa, esquecer e voltar a meter água. Durante os meus 33 anos cometi centenas de erros que fui repetindo, uma e outra vez - alguns certamente épicos e divertidos -, embora também tenha aprendido meia dúzia de coisas. Posso dizer com orgulho que, no outro dia, dei uso a todo esse tempo, sensatez e experiência e aprendi uma das coisas mais importantes que existem nesta vida: aprendi a beber.

O que é isso de aprender a beber? Bem, é muito simples. É não acordar num sábado às três da tarde no chão da cozinha em frente ao frigorífico, com as calças vomitadas e um punhado de fatias de fiambre na mão (mais o bocadinho que ficou dentro da boca). Trata-se de não perder o controlo, não chegar a esse ponto em que tudo começa a ficar enevoado e a desaparecer da tua mente.


VÊ TAMBÉM: "O México irá alguma vez legalizar a erva?"


Não sou capaz de contabilizar todas as horas de vida de que me esqueci por não dominar este assunto, nem quantas manhãs passei na cama, em pânico, com medo de descobrir as peripécias da noite anterior. Mas, tudo isto são águas passadas. Chegou uma nova era. A era das recordações e das manhãs produtivas. Posso dedicá-las a cozinhar bolos de iogurte e, finalmente, acabar "A selva do solteirão", um romance que ando a escrever há anos.

Que fique claro que, aprender a beber, não significa deixar de fazê-lo. Significa gerir a bebedeira de forma profissional, como um connoisseur, o que em caso algum anula as ressacas - embora já não te durem três dias. A ressaca do bom bebedor resolve-se com um copo de água e duas sopas. Cérebro a 100 por cento, só depois do meio-dia.

Publicidade

Acho que antes de saber beber - modéstia à parte - sofria de uma certa dependência em relação ao álcool. Tinha de levar constantemente qualquer coisa à boca, (salvo seja). Se tivesse alguma coisa na mão (tipo um copo, uma lata, um tetra brik,…), não descansava enquanto não a terminasse. Pronto, dedicava-me a esvaziar coisas: recipientes, embalagens, etc.. Como um hamster a quem dás pevides sem parar e, sem perceberes como, ele continua a acumulá-las nas bochechas.

"O meu 'eu do passado' sucumbia incessantemente ao consumo de cerveja enlatada, cilindro atrás de cilindro, alumínio atrás de alumínio".

A oferta citadina de cervejas a um euro alimentava constantemente esta dependência física - sim, os vendedores ambulantes são a causa de todos os meus problemas. Quem dava o sim decisivo era eu, claro, mas eles não paravam de provocar-me e custava-me ser mal educado com estes estrangeiros que só tentam ganhar a vida neste país super desenvolvido. O meu "eu do passado" sucumbia incessantemente ao consumo de cerveja enlatada, cilindro atrás de cilindro, alumínio atrás de alumínio. Embora isto não fosse uma coisa só da rua. Podia despachar long drinks, latas, qualquer coisa, só dependia do budget. O importante era ter qualquer coisa na mão e bebê-la. Era incapaz de fazer uma pausa dramática entre dois goles.

Mas, no outro dia, numas agradáveis festas populares da cidade - e pela primeira vez - decidi "ir com calma" (estas foram as minhas palavras). Decidi renunciar ao jogo vicioso da espiral eterna do consumo de álcool e neguei-me a beber SEM PARAR. Deixei-me deambular enquanto apreciava lentamente como o álcool abraçava o meu organismo e eu desfrutava dos efeitos suaves da bebida, sem acrescentar mais líquidos ao meu corpinho. Observava como os meus amigos bebiam, enquanto consumia, conscientemente, cada dose. E, acredita, não se esteve nada mal. Agora sei que é possível viver uma bezana decente e divertida, sem ter que sofrer os efeitos colaterais, tipo acordar no metro com a camisa suja de vinho, as calças rasgadas e um telemóvel a menos na tua vida.

Alcançar este auto-controlo deu-me uma sensação de maturidade superior à que, em determinado momento, me deu engendrar uma filha. Um homem capaz de controlar os demónios do seu inconsciente é duas vezes homem. No entanto, uma coisa é ter aprendido a beber, outra completamente diferente é conseguir aplicar estes conhecimentos. A vida é como um menu de restaurante, com uma salada ligeira de primeiro prato, seguida de um enorme e gorduroso Cordon Bleu - que comparação… -, de maneira que nem sempre é fácil um gajo esquivar-se ao horror. E, verdade seja dita, em nenhum momento prometi que a partir de agora seria sempre uma pessoa decente. Mas, garanto-vos, saber que sou capaz de beber como um pro, estranhamente, faz-me muito feliz.


Segue a VICE Portugal no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Vê mais vídeos, documentários e reportagens em VICE VÍDEO.