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Fui à Lapa e acordei em casa da Vivi Seixas

Virá aí um novo desejo lascivo?

Sem remorsos capitalistas fui até à Copa e fiquei onde todos os gringos ficam, no Bairro de Santa Teresa. Felizmente tenho um amigo que me cedeu um chão para dormir e, com muito arroz e feijão, mergulhei numa orla de bifes, chichilélé nacionalidades várias. A noite acabava sempre na Lapa, centro nevrálgico da boémia carioca, onde o povão se mistura entre gás pimenta e algumas caipirinhas. Paragem obrigatória no Leviano para beber umas quantas de borla. Por entre mulheres e avatares (vulgo nome para transexuais) terminei a noite a degustar cachaça com gengibre. Uma delicia de blackout e na manhã seguinte acordei em casa da Vivi Seixas, com a cabeça à roda (e não era do seu DJ set). Como ela é gente finíssima, e o namorado estava por perto, decidi fazer uma entrevista como agradecimento. Só me pediu que eu falasse devagar porque o meu PT-BR é uma bosta, e o meu cérebro estava em ritmo de copa, a conversa foi a 30 bpm. VICE: Já ouvi dois dos teus sets e sempre pensei que você ia ser a versão feminina do Gilles Peterson da BBC Radio 6 music, o inicio do Gilles, quando ele fazia break beat ‘n’ bossa, mas afinal você é purista e bem undergound na EDM,.
Vivi Seixas: Sim, Cesarini. Nunca toquei música que esta na moda, sabe? Para falar a verdade eu nem tenho esse tipo de som no meu case. Sempre segui uma linha mais underground e foi isso que eu comecei a tocar desde o começo e até hoje eu toco. Até para mim é um pouco complicado mas eu bato o pé (e aqui não há qualquer referência ao Roberto Leal esse monstro da música portuguesa que o mestre de cerimonias do Fun Fest fazia questão de usar como hino para a selecção portuguesa, que legal!)

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Há uns dias li uma entrevista do DJ Memê, grande produtor e lenda da house no Brasil, e gostei da abordagem dele em relação a simbiose DJ e produtor. A validade de que há espaço para todos dependo do ângulo que você quer dar a gestão da sua carreira.

O Memê é uma pessoa que eu admiro para caramba e tem muita historia para contar. Quando eu estou com ele é mesmo uma aula que ele me dá. Na minha opinião, a tecnologia trouxe coisas boas e coisas más. Hoje em dia você tem equipamentos maravilhosos que dão o bpm certinho, mostram o gráfico da música, programas com os tons da musica. Você pode não saber o que combina com quê. Isso facilitou muito esses DJs fake. Hoje em dia com a tecnologia qualquer pessoa pode anunciar que é DJ. Mas a culpa é dos promotores que fazem as festas e não pesquisam a fundo e chamam essas pessoas para tocar.

No Brasil há uma proliferação de DJs wannabe como em Portugal? Jogador de futebol da segunda divisão com carro alugado? Big Brother que não merece subir na favela?

Sim [risos]. Os caras chegam com um set já preparado e assim é tudo mais chegadinho [risos].

Você pode fazer uns ovos mexidos para mim?

Ah, você é bem folgado garoto. Você vai colocar isso na matéria?

Claro. Há diferenças entre a batida local e internacional?

A pista é na hora. Você sente a vibe… não tem essa coisa do dentro e fora. Você experimenta e alguma coisa vai funcionar sempre. Por exemplo, eu adoro dançar quando estou misturando, do começo do set até ao final. Então esse é o meu termómetro. Se está funcionando para mim está funcionado para a pista.

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Em Portugal um bom DJ é aquele que tem de saber mandar as pessoas beber, senão o “dono da casa” vai reclamar que o negócio não vai dar para pagar o seu cachet e pede musica de merda para limpar a pista. Já aconteceu com você?

Graças a deus isso nunca aconteceu comigo [risos], mas é lógico que tem nuances durante a noite. Se você é o ultimo a tocar toca num ritmo mais lento. Dá uma

desacelerada

na emoção da galera.

Você é uma abençoada! Comigo só faltava bater e obrigar a vender drogas para os meninos. Chegaram a bater mas eu nunca vendi drogas, partilhei.

Nossa, isso é muito mau! O pior que aconteceu foi me retirarem para colocar o DJ residente. Há muita gente que me contrata, bem lá do interior, que não conhece o meu som. Acham que eu sou uma celebrity por que sou filha do Raul [Seixas] e nem se deram ao trabalho de escutar o som que eu toco.

Mas o legado do seu pai não deve ser um estigma, bem pelo contrario. É engraçado ver que a linguagem do seu pai está de volta nesta geração que abraçou o retro e que está a recuperar a vaga do tropicalismo do Caetano Veloso e do Gilberto Gil. O Raul Seixas é um ícone do rock psicodélico brasileiro e com uma importância tremenda aqui. Qual foi a sensação da filha fazer um álbum de remisturas do pai?

Há uns 8 ou 10 anos atrás eu tive acesso as “la capela” do meu pai com as labels da época e eu nem era DJ e pensei logo em guardar esse material para fazer algo no futuro. O tempo passou e a gravadora me chamou para eu fazer o álbum de remixagem dos temas do meu pai e disseram “fica a vontade de fazer o que você quiser, dá uma roupagem nova nos temas do seu pai!”. Fiquei um pouco preocupada, e um pouco cautelosa. Os fãs do meu pai são bem cuidadosos e ciumentos com as musicas dele. Logo eu fiz questão de manter a estrutura das letras que são sensacionais e intemporais. Para agradar todo o mundo eu chamei vários músicos que eu admiro muito para participar no CD e nivelar o lado orgânico com o electrónico. Foi a maior curtição, fiz tudo em dois meses apenas, junto com o meu ex-marido, o produtor norte-americano Mike Frugalleti, e foi um turbilhão de emoções. Chorei, ri, mas no final fiquei muito feliz com o resultado e aceitação das pessoas.

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Queria fugir a temática da copa mas estou com umas dores nas costas (à la Neymar)! E suas costas estão bem?

Gostei da farra e da bagunça. Do “get together” dos gringos lindos, dos gatos que estavam circulando aqui pelo Rio de Janeiro mas me deixou muito chateada quando o Brasil perdeu a Copa e ver as pessoas aos prantos e chorando por isso. Acho que o brasileiro tem de chorar pela falta de emprego, educação, pelas pessoas que estão morrendo nas filas de hospitais públicos. O brasileiro tem um patriotismo muito grande no futebol mas não no pais. Acho um absurdo os milhões que foram desperdiçados nos estádios que não vão servir para nada no futuro. Então acho muito bem feito que o Brasil tenha perdido a Copa para sair dessa superficialidade. Em todas as grandes competições internacionais há sempre uma inflação por parte do fornecedor que atrasa a entrega dos estádios para aumentar a contingência do custo final. Logo é uma economia do desporto que já vem viciada. O que eu mais ouvi nas ruas foram os gritos: "Fuck FIFA!"

A elite branca presente nos estádios vai racionalizar e continuar com a vida mas o que acontece ao povão apaixonado que precisa destas alegrias? E logo com a Argentina quase a fazer a festa. Fui super alemão na final só porque adoro salsichas com purê e você?

Também fui alemã e anti-Brasil. Se o Brasil ganhasse ia anestesiar toda essa realidade que os políticos estão querendo. Que o povo esqueça as coisas sérias e fiquem vangloriando o pais do futebol.

Em Portugal neste momento tem pessoal fazendo playlist retro para eventos da VICE. Quem você aconselharia da musica brasileira?

Alceu Valença, Rita Lee, Titãs, Gilberto Gil… vão por ai. Ah, e o meu pai, claro!  Esse ano faz os 25 anos da morte do meu pai e a gente vai fazer um tributo especialíssimo no Rio de Janeiro onde vamos convidar vários artistas para cantar só Raul. Por isso manda um recado para a galera de Portugal para que eles escutem Raul por que vale a pena. Não é por que eu sou filha não! Mas as letras são sensacionais e muda a vida de muita gente.

Tou cansado e já não consigo pensar direito. Vou directo ao assunto, você já fez a revista Trip e agora a Paparazzo. Para quando um desejo lascivo na VICE?

Cara, é só me chamar que eu estou dentro. I’m in! Agora sai de minha casa vagabundo!