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A Massa Carcerária Quer Votar para Presidente. E Ela têm esse Direito

O voto é obrigatório para 230 mil presos provisórios no Brasil. Eles também podem assistir ao horário eleitoral dentro da cadeia e escolher um cara que entenda das mazelas do sistema.

Foto por Helena Wolfenson.

O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo todo - só perde para EUA, Rússia e China - e essa massa quer escolher o próximo presidente da República nas eleições de outubro. A Justiça Eleitoral tem agora de se virar para conseguir instalar urnas dentro de todos os Centros de Detenção Provisória do país, além de encontrar mesários para esse trampo - um deles pode ser você.

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“Eu recomendo que as pessoas façam isso (ser mesárias na cadeia). É difícil, mas é uma experiência interessantíssima”, me disse o corintiano Marcos Fuchs, de 50 anos, um dos maiores especialistas brasileiros em sistema prisional, além de diretor-adjunto da Conectas e membro do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária).

Peguei Fuchs pelo celular saindo de uma cadeia de Itaúna, Minas Gerais. Uma semana antes, ele estava visitando presídios no Piauí. O advogado me disse que seria bom se os presos usassem o poder do voto para eleger um representante: “Seria bacana ter um representante no Congresso que tivesse passado pelas mazelas das masmorras brasileiras”.

Não há consenso na Justiça sobre se todos os 550 mil presos brasileiros têm direito a voto. Mas já é certo que pelo menos 230 mil deles, os provisórios, têm. O problema é como legalizar a documentação e colocar as urnas para funcionar dentro das unidades prisionais.

Como pouca gente sabe o que acontece dentro das cadeias, achei que seria legal fazer algumas perguntas a um advogado que conhece a coisa toda por dentro.

Foto por Helena Wolfenson.

É perigoso ter presos escolhendo políticos?
Não. É o exercício da democracia, faz parte do contexto político. Se ele for manipulado por algum partido que tenha interesses dentro do sistema, talvez possa ser um problema. Do contrário, não.

E se todos os presos votarem num só candidato? Podem eleger alguém de uma facção, por exemplo?
Existe essa possibilidade. Esse candidato estaria eleito e teria voz na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados ou no Senado.

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Isso poderia ser bom pra arrumar o sistema prisional, acabar com tortura, maus tratos, superlotação e outros abusos?
Se houvesse um candidato que efetivamente fosse do sistema, que tivesse passado por alguma unidade, que fosse egresso da prisão, que estivesse apto a ser eleito e quisesse mudar essa realidade, seria bacana ter um representante no Congresso que tivesse passado pelas mazelas das masmorras brasileiras.

Como os presos podem eleger alguém se eles não podem ler jornal, ouvir rádio, ver TV, para saber quais são as propostas dos candidatos?
É direito deles. Conversei com o vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, Mario (Devienne Ferraz), sobre o fato de o preso ter o direito de ouvir rádio, ver TV, ter acesso à propaganda eleitoral e saber o nome dos candidatos.

Como faz pra descolar um trampo de mesário dentro da cadeia?
Eu recomendaria que as pessoas fizessem isso. Mas olha: a ONG de direitos humanos Conectas e a Pastoral Carcerária, da Igreja Católica, inscreveram 20 pessoas para o trabalho de mesário. Apenas uma foi selecionada. É difícil, mas é uma experiência interessantíssima.

Teremos 230 mil presos provisórios escolhendo o próximo presidente da República então?
Não. O Estado de São Paulo tem sozinho quase 80 mil presos provisórios, mas só 5.500 eventualmente votarão em outubro. No Brasil todo esse número não deve ultrapassar os 10 mil eleitores presos. No Ceará, 70% dos presos são provisórios. Lá, apenas 240 votarão. O mesmo no Piauí. É o fim da picada.

Por que tão poucos se o voto é obrigatório pra eles também?
Porque os TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) se programam para conseguir cadastrar o pessoal até o último dia de maio e muitos não conseguem a documentação a tempo. A biometria só existe no Maranhão e no Ceará. Preso não gosta de tocar piano (digitais), mostrar o dedo, por temor de que achem outros antecedentes criminais do passado, por isso nem gostam de tirar documento.

Quem tem interesse em que o preso não vote?
Não há interesse, sinceramente, por parte das autoridades, sejam elas do sistema prisional, sejam as autoridades responsáveis pela emissão dos documentos nesse país. Quando um preso chega na inclusão, quando dá entrada num CDP (Centro de Detenção Provisória), ele deveria ter toda a sua documentação regularizada, todos os seus documentos: RG, título de eleitor, CPF, enfim, têm de regularizar a vida dele. Além disso, o TRE entende que se você foi preso em Osasco, mas cumpre pena provisória no Vila Independência, você já é considerado em voto em trânsito. Falta esse ajuste pra ele votar fora do seu domicílio de origem. E o TRE também diz que são necessários no mínimo 50 presos por CDP e há CDPs com número menor de presos.