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Os Moradores de Xangai que Estão Enfrentando a Especulação Imobiliária

Conversamos com habitantes que valorizam mais as comunidades onde viveram por décadas do que chuveiros e cozinhas novos.

Um prédio demolido em Xintiandi. Todas as fotos por Peter Pan.

Xintiandi é um dos distritos mais ricos de Xangai, mas um de seus quarteirões vai virar escombros em breve. Na verdade, boa parte dele já virou. Alguns prédios ainda estão de pé, mas portas e janelas estão bloqueadas com tijolos, prontos para serem destruídas. Os uniformes laranja-fluorescente da equipe de demolição são o único toque de cor entre os tristes cinza e marrom dos escombros.

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Esse é um dos muitos quarteirões sendo derrubados em Xangai, onde casas antigas – moradia de pessoas mais pobres em áreas valorizadas do centro da cidade – vão dar lugar a construções modernas. Os residentes são indenizados e geralmente se mudam para casas novas no subúrbio. Muitos ficam felizes em mudar para prédios com banheiros que realmente funcionam. No entanto, alguns membros das gerações mais antigas estão menos contentes – eles valorizam mais as comunidades onde viveram por décadas do que chuveiros e cozinhas com pias brilhantes.

Uma pequena porcentagem dessas pessoas continua no quarteirão hoje, se recusando a sair enquanto prédios caem à sua volta.

“A resposta [às demolições] pode ser mista, porque cada família vive em circunstâncias diferentes e tem suas razões para ficar ou sair”, disse a escritora e fotógrafa Sue Anne Tay, que documenta o desenvolvimento de Xangai em seu site Shanghai Street Stories. “Algumas pessoas ficam felizes em mudar, porque os prédios antigos eram superlotados e as instalações eram velhas. Outros alugavam seus imóveis e receberam dinheiro pela relocação/demolição, e outros já têm uma casa alternativa para onde se mudar. As pessoas menos dispostas a sair são idosos, acostumados a viver na área, e os pobres, que só conseguirão comprar outra moradia num subúrbio que não conhecem.”

Protestar sem permissão é ilegal na China. Então, para demostrar sua insatisfação sem enfrentar a fúria da polícia, algumas pessoas penduram em suas casas bandeiras da China e faixas com dizeres pungentes mas tecnicamente apolíticos, como “Amo meu país, amo minha casa”.

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As poucas pessoas que se manifestam frequentemente são sujeitadas ao assédio de capangas contratados ou das equipes de demolição. Um dos homens que conheci tinha instalado câmeras de segurança na rua, com dinheiro do próprio bolso, para tentar capturar essa suposta violência em vídeo. Outro carregava uma arma de choque quando saía para visitar algum amigo, dizendo que já tinha apanhado por se recusar a abandonar sua casa.

Xintiandi à noite.

As leis de indenização são incrivelmente complicadas, e as informações do hukou (registro de moradia) afetam a quantia que cada morador recebe. Alguns tentam erguer paredes toscas para aumentar a contagem de cômodos ou trazem parentes para casa para aumentar a contagem de moradores. “Conheço uma família que pediu para a filha casar com o namorado de seis meses e trazê-lo para morar com eles”, um homem me contou.

Os que ficaram são acusados de serem motivados pelo dinheiro ou de estar tentando tirar uma indenização maior das empresas desenvolvedoras através de campanhas de teimosia. Mas quando conheci algumas dessas pessoas, senti um desejo de justiça, não ganância – todos unidos por uma frustração mal reprimida. Leia abaixo o que quatro deles tinham a dizer.

Xue Jinshan, um vendedor de 58 anos da companhia Bao Steel, mudou para sua moradia atual em 1993, depois de ser realocado de sua antiga casa.

VICE: Por que você não aceitou a indenização e se mudou?
Xue Jinshan: Se eu me mudasse para a casa que eles queriam me dar, eu teria que passar dez horas na estrada por dia para ir e voltar do trabalho. A casa nova é no distrito Songjiang. Trabalho no distrito de Baoshan [que fica do outro lado de Xangai].

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O barulho das demolições deve ser bastante irritante.
Sim. Eu tinha dois idosos nesta casa, eles não conseguiam aguentar o barulho, então tive que mandá-los para outro lugar. Meu filho estava estudando para as provas de admissão da universidade ano passado, e eu implorei para que eles diminuíssem o barulho, mas eles continuaram.

Por quanto tempo você acha que vai aguentar?
Não sei. Depende deles. Assim que eles pregam o aviso vermelho na sua porta, você precisa mudar em dez dias. Aí eles começam a demolição, mesmo se ainda tiver alguém morando na casa.

E você não consegue mesmo um lugar decente com o dinheiro da indenização?
Com este 1,5 milhões de yuan [cerca de R$ 546 mil], você só consegue ir para os subúrbios. Mas a vida não é conveniente lá. Minha mãe e minha sogra precisam ir ao hospital com frequência; o Hospital Número Nove fica bem perto daqui. Uma casa é para as pessoas morarem, não uma decoração. Instalações melhores não significam nada para mim.

Você não poderia arranjar outro trabalho mais perto da casa nova?
Estou nesse trabalho há 40 anos. Agora, na minha idade, como vou arranjar um novo emprego? É impossível.

A violência relatada na área te preocupa?
Só tenho minha vida a perder. Sempre que penso nisso, não tenho medo. Não dependo de ninguém, confio apenas em mim mesmo. Tenho essa vida para lutar contra eles. Se a morte for o resultado, que seja.

Essa crise uniu mais a comunidade que restou aqui?
Não. Eles nos dividiram. Algumas pessoas desistiram por uma casa, outras por uma quantia em dinheiro.

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Ge Bao Ling, 58 anos, é um ex-comerciante que se mudou para a área quando se casou, aos 28. Ele tinha um pequeno mercado que foi derrubado.

Que tipo de indenização eles ofereceram pela casa e pela loja?
Ge Bao Ling: Eles propuseram me dar uma nova loja, para que eu pudesse manter meu estilo de vida. Mas no final não me deram nada. Recorri ao tribunal; minha casa foi demolida durante esse período. A resposta veio do Conselho do Estado em abril, mas pode ser falsa.

O que aconteceu no dia em que sua loja foi derrubada?
Eles vieram no dia 26 de dezembro de 2013, à 1h30 da manhã. Eles tiraram minha esposa e meu filho de casa, minha esposa machucou o pé. Eles começaram a demolir logo depois. Meu filho tem hepatite B, então não consegue arrumar outro emprego. Contávamos com a loja. O que eles fizeram não foi humano. Estou disposto a me mudar, mas a loja era o que colocava comida na mesa.

Mas você continua lutando por uma nova loja?
Escrevi para o Escritório de Assuntos Legais em Pequim. Eles disseram que iam arranjar uma loja para mim. No dia 17 de dezembro, eles disseram que tinham encontrado uma. Esperei eles aparecerem aqui, mas eles não vieram. No dia 20 de dezembro, recebi a notícia de despejo; fui a todos os departamentos relevantes de Xangai, mas ninguém interveio. No dia 30 de dezembro, um policial veio até aqui, disse que eu não tinha feito nada de errado e que eles iam resolver meu problema. Mas nada aconteceu depois disso. Também perdi todos os produtos da loja.

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Onde você está vivendo agora?
Peguei emprestada uma casa dos meus pais. É pequena e fica aqui perto.

Você pretende comprar um lugar para viver com a indenização?
Não recebi minha indenização. Continuo esperando.

Zuo Lian Ying, 60 anos, taxista aposentada que viveu na área por 30 anos até ter a casa demolida.

Você gostava de morar aqui?
Zuo Lian Ying: A vida era normal. Aqui é muito conveniente, com hospitais próximos. Sou deficiente. Tenho o certificado disso. Tenho um problema nos olhos; eu deveria ser protegida.

Quando vocês foram despejados?
A demolição aconteceu no dia 18 de junho. Meu marido estava preparado para pular do prédio [em protesto]. Às 6 da manhã do dia seguinte, eles renderam todo mundo em casa, como os japoneses faziam na época da guerra. Depois disso, pessoas começaram a entrar e a bater em todo mundo. Me feri nos braços, mãos e pés. Ainda tenho as roupas manchadas de sangue.

Onde vocês estão vivendo agora?
Não tenho um teto, então fico na casa de parentes. Minhas coisas se perderam no processo de demolição; perdemos tudo que tínhamos na casa. Fomos expulsos da nossa casa descalços.

Mas você recebeu a indenização…
Eles ofereceram 1,5 milhão de yuan, mas isso não dá nem para um banheiro.

Por que vocês não compram uma casa numa área mais barata?
A natureza dessa demolição é comercial. Eles deviam negociar um preço conosco. Eles só nos deram 23 mil yuan (R$ 8.300) por metro quadrado. A margem de lucro deles será enorme.

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Gan, 26 anos, trabalha numa companhia de logística e vive com sua família num prédio de três andares com um pátio. Eles estão aqui há 40 anos e protestam contra o despejo colocando uma bandeira da China no telhado e tocando música.

Como você se sentiu quando ouviu falar que sua casa seria demolida?
|Gan: Eu era jovem, então não fui realmente contra. Se o governo queria melhorar nossas condições de vida, eu aceitaria isso. Mas o que distingue esse bairro dos outros é que aqui os vizinhos são amigos uns dos outros. Foi isso que me deixou triste.

Vocês não parecem tão descontentes quanto os outros residentes. Por que sua família não aceitou a realocação?
A natureza disso é comercial. Se não posso comprar uma casa numa área similar a essa com o preço que eles estão oferecendo, como eles esperam que eu aceite? Eles estão pedindo para nos mudarmos para áreas distantes, com transporte insuficiente e incômodo… o que vou fazer se minha mãe ou minha avó precisarem de ajuda médica?

Como vocês têm protestado?
Tocamos música para dar voz ao nosso descontentamento. Fomos ameaçados muitas vezes. Ultimamente nós paramos, porque ficamos com medo que isso evoluísse para algo fora de controle. A polícia disse que alguém do outro lado da rua tinha reclamado. Pedimos que eles medissem o volume. Em vez disso eles cortaram nossa eletricidade. Agora nossa casa será derrubada dentro de um ou dois meses.

Você já presenciou alguma violência na área?
As pessoas da companhia de demolição são como hooligans. Se eles não conseguem te enganar e fazer você se mudar, eles te ameaçam. Violência acontece. Durante demolições forçadas, eles contratam trabalhadores migrantes para cercar as casas que serão derrubadas.

Como você se sente com a mudança?
Ainda falo com frequência com os antigos vizinhos. Uma das ex-vizinhas é uma grande amiga: ela é como uma irmã mais velha para mim. Nossa relação é mais profunda que a de muitos irmãos de sangue. Na noite anterior à mudança dela, ficamos conversando sobre nossas memórias compartilhadas. Às vezes, quando estou escovando os dentes, não consigo deixar de imaginar como seria maravilhoso se não houvesse um plano para derrubar a casa. Nossa casa é iluminada e arejada. Uma vez uma equipe de cinema escolheu filmar aqui. Temos uma varanda grande. Quase não precisamos ligar o ar-condicionado no verão – nos sentamos na varanda e sentimos a brisa fresca.

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Tradução: Marina Schnoor