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Música

Uma Penca de Bootlegs que Vão te Levar ao Mundo da N.A.A.F.I.

Conheça o panelão sonoro do projeto mexicano que está criando uma comunidade pulsante de novos ritmos e abordagens musicais.
Tomas Davó, um dos idealizadores do selo mexicano N.A.A.F.I.

Há quatro ou cinco anos, jornalistas e jovens entusiastas usuários do Shazam tentavam descrever as novas formas que a música eletrônica começava a tomar. Seapunk, trap, pós-pós-dubstep, ghetto bass, vaporwave e mais uma porrada de denominações chatas e que muitas vezes acabam falando muito pouco sobre o tanto de músicas feitas nesse mundão. Isso até que produtores e DJs começaram a se encontrar no meio desse caos linguístico (muitas vezes fútil). Ainda assim, nenhum desses termos e de todo esse esforço é capaz de descrever o tipo de som feito pelos produtores do selo e coletivo de festas mexicano N.A.A.F.I.

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O tempo passou até que coletivos e selos começaram a se destacar cada vez mais por produções sólidas e coerentes, sempre em busca de promover e fomentar o que se entende por "nova cena eletrônica". Sem querer reduzir a importância do cenário brasileiro, muito menos excluir as particularidades de cada região, mas afirmo que os coletivos de festas como a Metanol em São Paulo, e Wobble no Rio de Janeiro, são dois dos exemplos mais representativos do que podemos chamar de "cena" eletrônica periférica. Enquanto os rolês da Metanol soam como um passeio em família aos quais você vai para degustar uma boa música ou apresentação, na Wobble temos o que o carioca entende por um bonde, ou seja um grande grupo de amigos ou conhecidos que compartilham o mesmo gosto por quebrar, nem sempre conscientemente, a cara e a chatice da noite carioca.

E ainda que cada público tenha lá suas necessidades, é inquestionável que os dois coletivos oferecem coisas similares que garantem a qualidade e a longevidade dos projetos. Ambos têm escalação de produtores e DJs nacionais ou internacionais relevantes, estão sempre em busca de espaços e clubes inusitados que ofereçam segurança, conforto e qualidade de som, isso sem mencionar a integração entre os participantes com um calendário regular de festas, e experiências inesquecíveis seja a sua primeira ou milionésima participação na festa. Posto isso, é preciso dizer que grupos como o N.A.A.F.I. abraçam questões estéticas e políticas específicas para criar algo que ultrapassa o seu campo geográfico, criando um lifestyle e um gênero dentro de si quase impossível de classificar ou nomear que vem unificando diferentes culturas da costa oeste americana, criando uma comunidade pulsante com novos ritmos e abordagens musicais.

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No Rio de Janeiro, Fabio Heinz, Gustavo Brud, Pedro Fontes e Rodrigo S. fazem a Wobble. 

O que começou a cerca de quatros anos atrás como simples festinhas entre amigos que queriam consumir a mesma música e estar ao redor de outras pessoas que pensavam a vida noturna da mesma forma, tem se tornado o movimento mais instigante do global bass e da club music americana. "Eu e o Mexican Jihad começamos a festa com o Paul Marmota como DJ residente", conta Tomas Davó, um dos fundadores da N.A.A.F.I. que toca e produz sob o nome Fausto Bahia. "Depois encontramos o Lao na internet e começamos a produzir todos juntos a partir de 2011. N.A.A.F.I. é uma sigla para Navy, Army And Airforce Institute (um órgão do exército britânico), mas também significa No Ambition And Fuck-all Interests. Agora, N.A.A.F.I. representa uma festa e um selo do México. Mais que isso, eu diria que N.A.A.F.I. é um espaço".

Vídeo-flyer para edição da festa com o DJ e produtor Kingdom, da Fade to Mind. Ele se apresenta no dia 3 de outubro em São Paulo no Neu Club, e dia 9 com o Bok Bok na RBMA x Wobble, no Rio de Janeiro.

Quando eu pedi para que ele me descrevesse um pouco o som e as influências que constroem o som singular da N.A.A.F.I., ele falou que nem se importa muito com classificações. Mas se você já deu um play aqui em cima na compilação de bootlegs que eles divulgaram essa semana, deve ter uma ideia do que eles fazem e pode estar pensando: "Mas eu li tudo até aqui só pra me dizer que os caras só fazem reggaton e cumbia? VSF!".

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Em uma entrevista para a i-D, eles dividem com sagacidade o que é música local e música mexicana. "Algo que é local não precisa necessariamente ser cumbia ou soar como algo daqui, literalmente. Algo local é o que ressoa através do lugar que você está, e o que está acontecendo naquele momento". Cumbia, reggaton, kuduro, tribal e outras influências de folk latino juntam-se ao grime, jersey, techno, dubstep e sinowave que selos de vanguarda como Hyperdub, Her Records, Fade to Mind, e o selo chileno Diamante Records exploram com extrema maleabilidade. A relação da N.A.A.F.I. com a Fade to Mind, por sinal, merece atenção especial. A proximidade dos dois coletivos vai além da geográfica (México x LA) e estética. Praticamente todos os produtores da Fade to Mind já tocaram na festa mexicana mais de uma vez, criando um forte senso de comunidade entre os artistas.

Lao tocando na edição mexicana da GHE20 G0THIK, com participação da Venus X.

Outra festa com quem eles conversam bastante é a GHE20 G0THIK, de NY. A criadora da festa, Venus X, acabou de voltar de turnê como DJ da M.I.A. e estava desde o começo do surgimento e concepção da hoje hypada marca de streetwear Hood By Air, onde o criador Shayne também tocava como DJ na GHE20 G0THIK e até hoje participa da festa que hoje engloba uma comunidade de músicos, ativistas LGBTS, performers, designers, artistas plásticos e moguls da vida noturna internacional. Ela até já tretou com a Rihanna, que roubou o seu estilo #ghettogothik após várias noitadas na festinha trans-pirigótica. Quem mais teve um flashback da Madonna indo aos bailes de voguing para criar um de seus maiores hits sem dar os devidos créditos à comunidade que a criou, levanta a mão!

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Mas ao invés de dividir ou classificar, eles convidam, aceitam e incorporam influências e experiências, criando o espaço livre para que a sua música e a sua forma de consumir a noite englobe as diversidades que sustentam sua constante evolução e mutação. E ao pesquisar mais a fundo cada um dos artistas integrantes do selo, eles não poderiam ser mais diferentes entre si e pertencer ao mesmo dominador comum. A DJ Smurphy e sua psicodelia pop; o Lao e seus beats sinistros que parecem trilha para um verdadeiro halloween mexicano; a narco-future-cumbia do Paul Marmota e a rave sombria do ZUTZUT são alguns exemplos do panelão que forma a sonoridade da N.A.A.F.I.. Usando os exemplos da Metanol e Wobble acima, é como se as duas festas decidissem se juntar aos novinhos góticos da Muscles Cavern, outra festa de São Paulo, para uma rave regada a tequila e muita ralação de quadris. Sempre com muito grave, é claro.

Mas essa experiência em misturar música folk como cumbia, que é uma música presumidamente da periferia mexicana, pode fazer pessoas com cabeças menos abertas torcerem o nariz. O Tomas me conta que "não é fácil fazer esse tipo de festa aqui no DF, mas também não vamos puxar o saco de quem consegue ficar trazendo artistas internacionais, por exemplo. Não achamos que isso é preciso pra fazer uma festa. Mesmo que a música seja difícil no começo, no México felizmente temos muitas pessoas que estão dispostas a ouvir música por elas mesmas e tirarem suas próprias conclusões".

Creio que algo parecido possa ser enfrentado no Brasil quando produtores mais ousados tentarem usar o funk ou o brega para continuar criando música experimental. Afinal, os gêneros podem fazer parte da eletrônica, certo? Então por que tão pálida a sua presença em sets e palcos de festas e coletivos que tomam para si o objetivo de disseminar música e beats "verdadeiros, de rua, avançados ou experimentais"? O cenário vai aos poucos mudando graças a pequenos, mas significativos projetos como o Arrastão, do produtor Omulu, que por vezes chega a ser uma cena-de-um-homem-só por flertar possivelmente com todos os gêneros citados nesse texto, ritmos tradicionais brasileiros como axé, maracatu e forró. Ele mostra entender que a música deve absorver as características do povo que a cria, onde religiões, questões sociais e manifestações populares interpretam grandes papéis na criação de um imaginário cultural. Ele até tem conexões com um outro produtor que busca uma parecida experiência sonora com sua festa Club Subtropical, o uruguaio Lechuga Zafiro.

Criar vaporwave ou um pseudo-Burial com imagens do Tumblr tá fácil se comparado em pegar um desses hits dos anos 00 do brega recifense e misturar a um instrumental de grime ou IDM, por exemplo. E é ao cruzar nostalgia e política que a N.A.A.F.I. se firma como um projeto tão interessante e de força tão opulente e misteriosa quanto sua identidade visual e sonora. Com a insurgência de tal som se espalhando por países como o Brasil, Uruguai, Chile e Argentina, a tomada dos ritmos latinos sobre a nova música eletrônica parece ser algo inevitável e excitante.

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